O Processo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 173 / 183

O porteiro tem de se curvar bastante para o ouvir, dado que a diferença de estatura entre eles se tinha acentuado muito em desfavor do homem. 'Que é que deseja saber agora?', pergunta o porteiro. 'Você é insaciável.' 'Todos procuram alcançar a Lei', responde o homem; 'como se explica, portanto, que, durante todos estes anos, ninguém a não ser eu tenha procurado o acesso a ela?' O porteiro sente que o homem está próximo do fim e que tem dificuldade em ouvir, pelo que lhe segreda ao ouvido: 'Ninguém excepto você pode entrar por esta porta, pois esta porta foi-lhe destinada. Vou agora fechá-la.'»

«Assim, o porteiro enganou o homem», disse imediatamente K, fortemente atraído pela história. «Não seja tão precipitado», respondeu o padre; «não perfilhe a opinião de outrem sem reflectir primeiro. Contei-lhe a história com as próprias palavras das escrituras. Não existe nela qualquer alusão a um engano.» «Mas acho que ela está suficientemente claras, continuou K., «e considero a sua primeira interpretação bastante correcta. O porteiro deu a mensagem de salvação ao homem apenas quando esta já não o podia ajudar » «A pergunta nunca lhe fora posta», respondeu o padre, «e tem também de tomar em consideração que ele era apenas um porteiro, tendo, como tal, cumprido o seu dever.» «Que o leva a pensar que o porteiro cumpriu o seu dever?», perguntou K. «Ele não chegou a cumpri-lo. O seu dever devia ter-se resumido a manter afastados todos os estranhos, mas este homem, a quem a porta tinha sido destinada, devia ter sido autorizado a entrar.» «Não respeitas suficientemente a palavra escrita e estas a alterar completamente a história», volveu o padre. «A história contém duas revelações importantes feitas pelo porteiro acerca da admissão à Lei, uma no início e a outra no fim. Diz a primeira que, naquele momento, ele não podia deixar entrar o homem e a outra que aquela porta era destinada apenas ao homem. Se existir uma contradição entre ambas, então terás razão, e o porteiro terá enganado o homem. No entanto, não há contradição. A primeira, pelo contrário, implica mesmo a segunda. Quase se podia dizer que, ao sugerir ao homem a possibilidade de uma futura admissão, o porteiro estava a exceder o seu dever. Nessa altura, aparentemente, o seu dever é apenas recusar a entrada e é natural que muitos comentadores se surpreendam com o facto de a sugestão ter chegado a ser feita, dado que o porteiro parece ser inflexível no seu respeito escrupuloso pelo dever.





Os capítulos deste livro