O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 19 / 183

Passava um pouco das onze e meia quando ouviu passas na escada. Absorvido pelos seus pensamentos, K., que tinha estado a passear para trás e para diante no vestíbulo de entrada, como se aquele fosse o seu próprio quarto, fugiu para detrás da porta deste. Era Fraulein Bürstner que entrava Enquanto trancava a porta, sentiu um arrepio de frio e envolveu os seus magros ombros no xaile de seda. Um minuto mais e estaria no seu quarto, onde K. decerto não devia entrar àquela hora; teria, pois, de falar com da naquele momento, mas, infelizmente, tinha-se esquecido de acender ~ luz do quarto dele, de modo que, se surgisse da escuridão, poderia parecer que a ia atacar e isto seria, até certo ponto, alarmante. Não tinha tempo a perder e, na sua atrapalhação, segredou através da frincha da porta: Fraulein Bürstner!» Parecia uma prece, não uma intimação. «Está aí alguém?», perguntou Fraulein Bürstner, olhando em volta com os olhos muito abertos. «Sou eu», disse K, dando um passo em frente. «Ah, Herr K!», disse Fraulein Bürstner, sorrindo. «Boa noite!» E estendeu-lhe a mão. «Gostaria de lhe dizer uma ou duas coisas, permite-me que o faça agora?» «Agora?», perguntou Fraulein Bürstner. «Tem mesmo de ser agora? A hora não é muito própria, não acha?» «Tenho estado à sua espera desde as nove horas.» «Bem, é que fui ao teatro, sabe, e não fazia ideia nenhuma de que estava à minha espera.» «O que tenho a contar lhe é uma coisa que até hoje nunca havia acontecido.» «Ah, bem, não ponho nenhuma objecção; simplesmente, estou tão cansada que mal me tenho nas pernas. Portanto, entre para o meu quarto só por alguns momentos. Não podemos conversar aqui porque acordaríamos toda a gente e isso desagradar-me-ia mais do que propriamente a eles. Espere até eu acender a luz do meu quarto e então apague, por favor, esta aqui.» K. assim fez, mas esperou que Frãulein Bürstner, do seu quarto e em voz baixa, o convidasse novamente a entrar. «Sente-se, por favor», disse ela, apontando para o sofá. Conservou-se, todavia, em pé, encostada aos pés da cama, apesar da sua confessada fadiga. Nem sequer tirou da cabeça o chapeuzinho profusamente adornado de flores. «Bem, então o que se passa? Estou cheia de curiosidade.» E cruzou as pernas. Talvez você vá dizer», começou K., «que não havia muita urgência em falar deste assunto agora, mas...» «Nunca presto atenção a preâmbulos», respondeu-lhe Fräulein Bürstner. «Isso facilita-me as coisas», disse K. «Esta manhã houve uma pequena confusão no seu quarto e até certo ponto fui eu 0 culpado dela; foi originada por estranhos e contra a minha vontade, e, no entanto, como ia dizendo, a culpa foi minha. Quero pedir-lhe desculpa pelo facto.»





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