O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 46 / 183

Admito que não estou muito familiarizado com as particularidades do seu treino jurídico, mas acho que não consiste exclusivamente na aprendizagem de grosseiros comentários nos quais o senhor parece estar especializado.» «Ele não devia ter sido deixado em liberdade», comentou o estudante, como se com isto tentasse explicar à mulher as palavras insultuosas de K. «Eu disse logo ao Juiz de Instrução que fazia mal em não o manter, pelo menos, retido no seu quarto nos intervalos dos interrogatórios. Há alturas em que não entendo o Juiz de Instrução.» «De que serve a conversa?», indagou K., estendendo a mão à mulher. «Não, não, o senhor não a leva.» E, com uma força de que ninguém o acharia capaz, o estudante suspendeu-a por debaixo de um braço e, fitando-a com ternura, correu, um pouco curvado sob a sua carga, até à porta. Não há dúvida de que, com esta atitude, o estudante mostrou um certo medo de K., mas arriscou-se a enfurece-lo mais ainda, afagando e apertando com a outra mão livre o braço da mulher. K. correu ainda alguns passos atrás dele, disposto a agarrá-lo e, se necessário, a estrangulá-lo, quando a mulher, interrompendo-o, disse: «Não vale a pena, pois o Juiz de Instrução mandou-me chamar e eu não me Trevo a ir consigo; este monstrozinho não me deixaria ir.» Enquanto falava, dava umas palmadinhas na cara do estudante. «E a senhora não quer ser libertada», gritou K., pondo a mão no ombro do estudante, que procurou abocanhá-la. «Não», gritou a mulher, afastando K. com as duas mãos. «Não, não, o senhor não pode fazer uma coisa dessas; qual é a sua ideia? Arruinar-me-ia. Deixe-o sozinho, por favor, deixe-o sozinho! Ele só está a cumprir as ordens do Juiz de Instrução ao levar-me até junto dele.» «Então, ele que vá e, quanto à senhora, não quero voltar a vê-la, respondeu K., furioso com o desapontamento que teve e dando ao estudante um soco nas costas que o fez tropeçar, erguendo-se logo mais ligeiro do que antes, com o alívio de não ter chegado a cair. K. seguiu-os lentamente e reconheceu que esta era indubitavelmente a primeira derrota que esta gente lhe infligia. Não havia, é claro, razão para se preocupar, visto que, se houvera derrota, fora porque ele próprio insistira em procurar a luta. Enquanto estivera sossegado em casa e fizera a sua vida habitual, podia considerar-se superior a esta gente toda, podia mesmo dar-lhes um pontapé e afastá-los do seu caminho. Começou então a imaginar a situação extraordinariamente cómica que se criaria se, por exemplo, aquele miserável estudante, aquele insignificante pedante, aquele barbaças de pernas tortas, tivesse um dia de se ajoelhar junto da cama de Elsa, torcendo as mãos e pedindo-lhe favores. Esta imagem excitou-o de tal maneira que decidiu, no caso de alguma vez surgir tal oportunidade, levar o estudante a fazer uma visita a Elsa.





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