O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 45 / 183

E certamente não poderia vingar-se melhor do Juiz de Instrução e seus adeptos do que arrancar esta mulher de ao pé deles e levá-lo consigo próprio. E então poderia acontecer que, uma noite, quando o Juiz de Instrução, depois de ter estado a escrever longos relatórios acerca de K., viesse até à cama da mulher, a encontrasse vazia. Vazia porque ela tinha fugido com K., porque aquela mulher que estava ali à janela, aquele corpo flexível, voluptuoso e quente, coberto por um vestido grosseiro, pesado e escuro, pertencia a K. e só a ele.

Depois de argumentar desta forma consigo próprio, e já desconfiado, começou a sentir que aquela conversa em voz baixa, à janela, já se estava a prolongar demasiadamente, e então bateu primeiro com os nós dos dedos na mesa e a seguir com o punho. O estudante fitou-o por instantes por cima do ombro da mulher, mas não se desconcertou e chegou-se mais a ela, enlaçando-a. Ela inclinou a cabeça como se estivesse a escutá-lo atentamente e logo ele a beijou ruidosamente no pescoço, sem, no entanto, interromper as suas observações. K., depois desta cena, certificou-se da tirania que o estudante exercia sobre a mulher, tal como ela se havia queixado, e, levantando-se, começou a caminhar na sala para trás e para diante. Com furtivas olhadelas ao estudante, ficou a meditar na maneira como se havia de ver livre dele o mais depressa possível, e, assim, não foi com desagrado que ouviu o sujeito, obviamente incomodado com o seu vaivém, que se tinha agora transformado em furiosas passadas, dizer o seguinte: Use o senhor está tão impaciente, pode ir-se embora. Não havia nada que o impedisse de já se ter ido há muito tempo, ninguém teria sentido a sua falta. Deixe-me que lhe diga que o devia ter feito logo que entrei e tão depressa quanto lhe permitissem as suas pernas.» Havia nestas palavras não só uma raiva surda mas também uma insolência característica de um futuro funcionário do tribunal dirigindo-se a um desagradável prisioneiro. K. aproximou-se do estudante e, com um sorriso, disse: «Estou, é certo, impaciente, mas a maneira mais fácil de aliviar a minha impaciência é o senhor deixar-nos. Mais ainda se, por acaso, o senhor aqui veio para estudar... ouvir dizer que é estudante... terei muito gosto em lhe deixar a sala livre, retirando-me com esta mulher. Suponho que ainda tem muito para aprender nos seus estudos até chegar a ser juiz.





Os capítulos deste livro