O Processo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 47 / 183

Por curiosidade, K. correu à porta para ver onde o estudante levaria a mulher, tanto mais que ele já mal conseguia carregá-la nos seus braços pela rua fora. Contudo, viu que o caminho era muito mais curto. Mesmo em frente à porta, um estreito lanço de escadas de madeira conduzia aparentemente a umas águas-furtadas, mas, como havia um ângulo, não se conseguia ver a outra extremidade. O estudante subia agora a escada, ainda com a mulher nos braços, muito devagar, suspirando e gemendo, visto que estava a sentir-se exausto A mulher acenou para baixo a K. e encolheu os ombros, querendo dizer com isso que não era culpada do rapto, embora a sua mímica não traduzisse muito pesar. K. olhou para ela sem expressão, como se fosse uma estranha, tendo resolvido que não se deixaria trair e, evitando que ela se apercebesse quer do seu desapontamento quer mesmo do facto de que ele facilmente se recomporia do desapontamento sofrido.

Embora os dois já tivessem desaparecido, K. conservava-se ainda à porta. Foi levado a concluir que a mulher não só o tinha traído como também lhe tinha mentido ao dizer que ia ser levada ao Juiz de Instrução. Com certeza que ele não estava à espera dela nas águas-furtadas. A pequena e estreita escada de madeira nada podia revelar, mesmo que ele ali permanecesse durante muito tempo a olhar para ela. K., contudo, reparou na existência de um cartão pregado com um alfinete do lado esquerdo, no qual estava escrito em letra infantil e desajeitada o seguinte: «Repartição de Justiça no piso superior.» Então a Repartição de Justiça sempre funcionava no sótão daquela habitação! Esta combinação não era susceptível de inspirar muito respeito e para um acusado era reconfortante imaginar as poucas possibilidades financeiras ao dispor deste tribunal ao ter de instalar os seus serviços numa parte do edifício para onde os seus locatários, que eram os mais pobres entre os pobres, atiravam os seus trastes inúteis. Contudo, não se devia ignorar a possibilidade, claro, de haver muito dinheiro, mas de o mesmo ir parar ao bolso dos funcionários antes de ser aplicado pela justiça aos fins respectivos. A julgar pela prévia experiência de K., esta hipótese era até muitíssimo provável e, no caso de a mesma se verificar, este procedimento desonroso, se bem que humilhante para um réu, inspirava mais esperança do que as paupérrimas condições do tribunal. K. só agora compreendia também a razão pela qual, no principio, eles se tinham envergonhado de o convocar para um sótão, tendo resolvido, em vez disso, incomodá-lo em sua casa. E como ambos desfrutavam posições diferentes.





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