O Processo - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 79 / 183

Em seguida, seu tio, talvez apenas com a preocupação de ofender a enfermeira, levantou a voz, dizendo: «Menina, tenha a bondade de nos deixar a sós por uns instantes, pois desejo pedir ao meu amigo um conselho sobre uns negócios pessoais.» A rapariga, que ainda estava inclinada sobre o doente a alisar o lençol do lado da parede, apenas voltou a cabeça e respondeu muito calmamente, em contraste com a furiosa e espumosa gaguez do tio de K.: «O senhor vê bem como o meu amo está doente; não é aconselhável falar com ele acerca de negócios.» Ela, provavelmente, repetira a frase dele por pura indolência; de qualquer maneira, poderia ter sido interpretada como zombaria mesmo por qualquer observador imparcial, e o tio de K. sentiu-se naturalmente encolerizado como se o tivessem picado. «Sua malvada...», balbuciou ele, que estava tão furioso que as palavras soaram quase incompreensíveis. K. levantou-se assustado, se bem que já estivesse à espera de uma explosão como esta, e precipitou-se para o tio disposto a tapar-lhe a boca com ambas as mãos e a silenciá-lo. Felizmente, o paciente levantou-se um pouco na cama por detrás da rapariga. O tio de K fez uma careta, como se estivesse a engolir uma pílula enjoativa, e disse num tom de voz mais suave: «Asseguro-lhe que não perdemos totalmente o juízo; se o que pedi fosse impossível, não o teria solicitado. Agora, por favor, vá-se embora.» A rapariga endireitou-se ao lado da cama, voltando-se completamente para o tio de K., enquanto com uma das mãos, pelo menos foi o que pareceu a K., acariciava a mão do doutor. «Podes falar seja do que for em frente de Leni», disse o advogado num tom de voz suplicante. «O assunto não me diz respeito», afirmou o tio de K., «O segredo não é meu.» E voltou-se como se daí lavasse as suas mãos, ainda que o seu desejo fosse dar ao advogado tempo para reconsiderar. «Então, a quem é que ele diz respeito?», perguntou o advogado numa voz exausto, deitando-se novamente. «Ao meu sobrinho», respondeu o tio de K. «Trouxe-o comigo.» E apresentou o sobrinho: «Joseph K., gerente.» «Oh!», disse o doente muito mais animado, estendendo a mão a K., «desculpe, não tinha reparado em si. Podes ir agora Leni», disse ele à enfermeira, agarrando-lhe a mão como se lhe estivesse a dizer adeus por muito tempo, tendo-se ela retirado bastante submisso. «Então não vieste ver-me», disse ele por fim ao tio de K., que estava agora calmo e se tinha ido sentar outra vez na cama, «por eu estar doente; vieste apenas em visita de negócios.» Era como se a ideia de lhe terem feito uma visita por se encontrar doente o houvesse paralisado até agora, tão remoçado parecia ao apoiar-se no cotovelo, o que lhe devia exigir um enorme esforço; e ia alisando com os dedos uma madeixa da barba.





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