O Processo - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 81 / 183

«O senhor doutor move-se então dentro dos meios judiciais?», perguntou K. «Sim», respondeu o advogado. «Fazes perguntas como uma criança», volveu o tio. «Com quem havia eu de me juntar senão com pessoas da minha profissão?», acrescentou o advogado. As palavras dele pareceram tão evidentes que K. não disse mais nada. 'O senhor doutor está ligado ao tribunal do Palácio da Justiça, não ao do sótão, quis ele dizer, mas não se sentiu com coragem para o fazer. «O senhor tem de compreender», continuou o advogado, num tom de voz de alguém que explicasse uma coisa que era por si só evidente, «que estas relações me permitem beneficiar os meus clientes de todos os pontos de vista, inclusive daqueles que não podem ser divulgados. E claro que me sinto agora um tanto embaraçada devido ao facto de me encontrar aqui retido no leito; no entanto, os meus colegas mais amigos do tribunal visitam-me de vez em quando e são eles que me contam imensas coisas. Estou mais ciente de vários assuntos do que muitos dos homens que, cheios de saúde, trabalham todo o dia no tribunal. É o caso de um grande amigo meu que está neste momento a fazer-me uma visita», e apontou para um canto escuro do quarto. «Onde?», perguntou K. quase bruscamente no seu primeiro impulso de surpresa. Olhou à volta duvidoso; a luz da vela mal chegava à parede aposta. Foi então que qualquer coisa indistinta se começou a mexer. À luz da vela, que seu tio agora levantava acima da sua cabeça, K. conseguia divisar um senhor de idade sentado a uma mesinha. Deve ter estado ali sentado quase sem respirar para durante tanto tempo ninguém ter dado pela sua presença. Levantou-se ruidosamente, obviamente aborrecido por ter sido revelada a sua presença. Sacudindo as mãos como se fossem pequenas asas, parecia suplicar que omitissem apresentações ou cumprimentos, tentando demonstrar que a única coisa que desejava era não incomodar os dois senhores e que o transportassem de novo para a escuridão, onde a sua presença poderia ser esquecida. Contudo, já não poderia ter esse privilégio. «Para dizer a verdade, vocês apanharam-nos de surpresa», disse o advogado como explicação, acenando com a mão como se encorajasse o amigo a aproximar-se, o que ele fez muito lentamente e olhando à sua volta de modo hesitante, mas com uma certa dignidade.





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