A sua evolução (ou retrocesso) era rápida. Os músculos tornaram-se-lhe rijos como aço e acabou por ficar insensível à dor vulgar. Conseguiu uma economia tanto interna como externa. Podia comer de tudo por mais repugnante e indigesto que lesse, pois, uma vez comido, os sucos do seu estômago se encarregavam de lhe extrair a mais ínfima partícula de alimento, que o sangue transportava às mais remotas partes do seu corpo, transformando-o em tecidos fortes e resistentes. A vista e o olfacto tornaram-se extraordinariamente penetrantes, enquanto o ouvido desenvolveu tal acuidade que a dormir ouvia o mais leve som e sabia distinguir se se anunciava paz ou perigo. Aprendeu a cortar com os dentes o gelo que se acumulava entre os dedos das paras; e quando, cheio de sede, se lhe deparava ~ espessa camada de gelo cobrindo a água sabia como a quebrar, devendo-se e batendo nela com as paras dianteiras inflexíveis. A sua característica mais notável era a habilidade que tinha em farejar o vento e prevê-lo com uma noite de antecedência. Mesmo que não corresse a mais leve aragem quando ele se punha a cavar o seu ninho junto de alguma árvore ou colina, o vento que mais tarde soprava ia inevitavelmente encontrá-lo a sotavento, bem protegido e agasalhado.
E nesta sua aprendizagem não era só a experiência que contava, mas também o ressurgimento no seu íntimo de instintos há muito abafados As gerações domesticadas desvaneciam-se nele. Esbatidas, acordavam agora em si recordações dos primeiros tempos da raça, quando os cães selvagens em alcateias vagueavam pela floresta virgem e devoravam as presas que eles perseguiam até à exaustão. Não foi tarefa difícil para ele aprender o jeito esquivo de lutar e a dentada furtiva dos lobos, pois já assim lutavam os seus antepassados. Eram eles que estimulavam em si a vida de outrora e suas eram aquelas antigas manhas que eles tinham imprimido na hereditariedade da raça. Elas surgiam-lhe sem esforço ou revelação, como se sempre tivessem sido suas.
