O apelo da floresta - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 30 / 99

E há-de ser como lhe digo. Um belo dia, perde a cabeça e faz o Spitz em bocados. Vai ver. Tenho a certeza.

A partir daí ficou declarada a guerra entre eles. Spitz, como cão-guia e chefe reconhecido por todos, sentia a sua supremacia ameaçada por aquele estranho cão meridional. E Buck eras de facto, um cão bastante insólito para ele, pois, de todos os cães do Sul que conhecera, nenhum se mostrara capaz de qualquer coisa, tanto no acampamento como na pista. Eram todos demasiado delicados, acabando por morrer de cansaço, frio ou fome. Buck parecia ser uma excepção. Ele lá se ia aguentando, é, o que era mais, progredia a olhos vistos, a ponto de rivalizar com qualquer cão-lobo no tocante a fortaleza, selvajaria e astúcia. Tornara-se num cão imponente, e o que nele constituía verdadeiro perigo era o facto de o homem da camisola lhe ter arrancado à cacetada toda aquela coragem cega e arrojo do seu desejo pela supremacia. Tendo desenvolvido uma astúcia notável, sabia aguardar a ocasião propícia com uma paciência que não era nada menos que primitiva.

Era, pois, inevitável que entre eles se desse o choque pela supremacia. Buck desejava-o. E desejava-o porque isso fazia parte da sua natureza, porque nele calara fundo aquele orgulho incompreensível e sem nome que nasce na faina dás pistas e aos tirantes — o mesmo orgulho que mantém os cães no seu lugar até ao último sopro de vida, que os leva a aceitar a morte com alegria quando amarrados ao seu arreio e que lhes despedaça o coração se desse mesmo arreio saí afastados. Era esse o orgulho de De e Sol-leks, que os fazia puxar com toda a gana; o orgulho que se apoderava deles mal levantavam o acampamento e que de uns animais irritáveis e azedos os transformava em criaturas ardentes e ambiciosas; o orgulho que os aguilhoava o dia inteiro, e só os abandonava a noites quando de novo armavam o acampamento, mergulhando no seu estado habitual de sombrio desassossego e insatisfação. Era este o orgulhe que espevitava Spitz e o fazia malhar nos outros cães que cometiam erros e mandriavam aos tirantes ou se escondiam, de ma não, quando era chegada a hora ele porem os arreios. Era igualmente esse orgulho que o levava a recear Buck como seu substituto eventual. E este era, também, o orgulho de Buck.





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