A ocasião, porém, não surgiu, e por uma tarde sombria entraram em Dawson, com o grande combate ainda por travar. Encontravam-se aí muitos homens e inúmeros cães, que Buck via sem excepção a trabalhar. Parecia a ordem natural das coisas que os cães trabalhassem. Durante todo o dia, passavam para cima e para baixo, em matilhas numerosas, pela rua principal, continuando a ouvir-se o tilintar dos seus guizos pela noite fora. Arrastavam rotos de madeira para barracas e feixes de lenha fretados para as minas e desempenhavam todas aquelas funções que no vale de Santa Clara eram levadas a cabo pelos cavalos. Entre eles, Buck encontrou um outro cão originário do sul, mas na sua maioria tratava-se de cães-lobos bravios. Todas as noites, e regularmente pelas nove, meia-noite e três horas da manhã, entoavam uma canção nocturna, cântico sobrenatural e misterioso, a que Buck se juntava com prazer.
Com a aurora boreal brilhando friamente no zénite ou as estrelas tremulando por entre a geada que caia e a terra paralisada e transita sob a sua mortalha de neve, esta canção dos cães-lobos podia passar por um desafio a vida, só que era entoada num tom mais abaixo, com uivos arrastados e meio soluçados, tratando-se antes ele uma súplica de vicia, do trabalho incessante que era a existência. Era uma velha canção, tão velha como a própria raça — uma das primeiras canções de quando o mundo era jovem e as canções eram tristes. Este queixume que de modo tão estranho bulia em Buck vinha penetrado ela angústia de gerações inumeráveis. Quando ele assim gemia e soluçava, fazia-o pela dor de viver, que fora outrora a dor dos seus antepassados bravios, e pelo medo e o mistério que para ele representavam o trio e as trevas, que para eles também eram medo e mistério. O facto de se sentir movido por isso dizia bem da perfeição com que escutava através das idades de conforto e agasalho os começos agrestes da vida nos tempos ululantes.