— Disseram-nos lá em cima que o leito do rio estava a ceder sob a pista e que o melhor que tínhamos a fazer era aguardar — disse Hal em resposta ao conselho de Thornton para não se arriscarem mais no gelo corrompido. — Disseram-nos que não conseguiríamos passar o rio White; pois, olhe, aqui estamos. — Esta última frase foi dita em ar de sarcástico triunfo.
— E disseram-lhe a verdade — respondeu John Thornton. — O leito do rio há-de ceder a qualquer momento. Só loucos, com a sorte cega dos loucos, o conseguiriam. E digo-vos mais: eu não arriscava a minha vida nesse gelo nem por todo o ouro do Alasca.
— Isso é porque o senhor não é louco, penso eu — disse Hal. — Mesmo assim, nós vamos continuar até Davson. — E, dito isto, desenrolou o chicote. — De pé, Buck! Vamos! De pé! Toca a andar!
Thornton continuou a aparar o cabo. Não valia a pena, sabia-o, meter-se entre um louco e a sua loucura; e, bem vistas as coisas, dois ou três loucos a mais ou a menos não alteravam a ordem das coisas.
A matilha, porém, não se levantou à ordem. Há muito que tinham passado a fase em que, para se erguerem, só à cacetada O chicote estalava, aqui e ali, na sua tarefa impiedosa. John Thornton cerrou os lábios. Sol-leks, vagarosamente, foi o primeiro a pôr-se de pé. Teek imitou-o. Joe foi a seguir, ganindo de dor. Pike fazia esforços dolorosos. Por duas vezes caiu, quase à beira de se levantar, mas à terceira levantou-se de vez. Buck não fazia qualquer esforço. Permanecia quieto, exactamente onde cura. O chicote mordia-o numa cadência desesperada, mas ele não gania nem lutava. Por mais de uma vez Thornton fez mençáo de falar, mas mudava de opinião. Os olhos humedeceram-se-lhe e, como as chicotadas não cessassem, ergueu-se e passeou irresoluto de um lado para o outro.