Era a primeira vez que isso acontecia com Buck, e por si só constituía razão suficiente para enfurecer Hal àquele ponto. Trocou o chicote pelo cacete do costume, mas Buck recusava-se a mexer, agora sob uma chuva de pancadas bem mais fortes. Tal como os companheiros, mal podia pôr-se de pé, mas, ao contrário deles, decidira não se levantar. Tinha uma sensação vaga da morte iminente. Apoderara-se fortemente dele ao chegarem junto do rio, e não mais o abandonara. Pelo gelo fino e esboroado que sentira debaixo das paras durante todo o dia, parecia pressentir o desastre para breve e mais além sobre o gelo, para onde o dono tentava agora arrastá-lo. Recusava-se a mexer-se dali. Sofrera já tanto, e encontrava-se tão longe de tudo aquilo, que as pancadas não o magoavam muito. E, à medida que elas lhe continuavam a cair em cima, a centelha de vida que ainda o habitava vacilava e ia esmorecendo. Quase que se apagava. Sentia-se estranhamente entorpecido. Como que de muito distante, tinha a consciência de que estava a ser espancado. Abandonaram-no as últimas sensações de dor. Já não sentia coisa alguma, embora muito vagamente pudesse ouvir o impacte do cacete no seu corpo. Mas já não era do seu corpo que se tratava, tão distante lhe parecia.
Foi então que, subitamente, sem qualquer aviso e soltando um grito inarticulado que mais parecia um grito de animal, John Thornton se atirou ao homem que empunhava o cacete. Hal foi brutalmente arremessado para trás, como que atingido pela queda de uma árvore. Mercedes gritou. Charles continuava a olhar com um brilho de ansiedade nos olhos, enxugou-os, mas não se levantou sequer, de entorpecido que estava.
John Thornton debruçava-se sobre Buck, lutando por se controlar, mas tão convulsionado pela raiva que mal podia falar.
— Se torna a bater neste cão, mato-o — conseguiu finalmente dizer numa voz estrangulada.
