Metiam os bicos debaixo das asas, mas logo acordavam assustadas pelos jorros dos projetores que iluminavam as “estrelas”, pelos saltos do compadre… Pois como esses pobres bichos, também a minha alma anda estremunhada - descobri em frente deles. Sim, a minha alma quer dormir e, minuto a minuto, a vêm despertar jorros de luz, estrepitosas vozearias: grandes ânsias, ideias abrasadas, tumultos de aspirações - áureos sonhos, cinzentas realidades… Sofreria menos se ela nunca pudesse adormecer. Com efeito, o que mais me exacerba esta tortura infernal é que, em verdade, a minha alma chega muitas vezes a pegar no sono, a fechar os olhos - perdoe a frase estrambótica. Mal os cerra, porém, logo a zurzem - e de novo acorda perdida numa agonia estonteada…
Mais tarde, relembrando-me esta constatação, ajuntara:
- O meu sofrimento mora, ainda que sem razões, tem aumentado tanto, tanto, estes últimos dias, que eu hoje sinto a minha alma fisicamente. Ah! é horrível! A minha alma não se angustia apenas, a minha alma sangra. As dores morais transformam-se-me em verdadeiras dores físicas, em dores horríveis, que eu sinto materialmente não no meu corpo, mas no meu espírito. É muito difícil, concordo, fazer compreender isto a alguém. Entretanto, acredite-me; juro lhe que é assim. Eis pelo que eu lhe dizia a outra noite que tinha a minha alma estremunhada. Sim, a minha pobre alma anda morta de sono, e não a deixam dormir - tem frio, e não sei aquecer! Endureceu-me toda, toda! secou, ancilosou-se-me; de forma que movê-la - isto é pensar - me faz hoje sofrer terríveis dores. E quanto mais a alma me endurece, mais eu tenho ânsia de pensar! Um turbilhão de ideias - loucas ideias! - me silva a desconjuntá-la, a arrepanhá-la, a rasgá-la, num martírio alucinante! Até que um dia - oh! é fatal - ela se me partirá - voará em estilhaços.