os pés descalços para que lhos roesse - me soltava os cabelos: me dava a trincar o seu sexo maquilhado, o seu ventre obsceno de tatuagens roxas…
E só depois de tantos requintes de brasa, de tantos êxtases perdidos - sem forças para prolongarmos mais as nossas perversões - nos possuímos realmente.
Foi uma tarde triste, chuvosa e negra de Fevereiro. Eram quatro horas. Eu sonhava dela quando, de súbito, a encantadora surgiu na minha frente…
Tive um grito de surpresa. Marta, porém, logo me fez calar com um beijo mordido…
Era a primeira vez que vinha a minha casa, e eu admirava-me, receoso da sua audácia. Mas não lho podia dizer: ela mordia-me sempre…
* * *
Por fim os nossos corpos embaralharam-se, oscilaram perdidos numa ânsia ruiva…
… E em verdade não fui eu que a possuí - ela, toda nua, ela sim, é que me possuiu…
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À noite, como de costume, jantei em casa de Ricardo.
Muito curiosa a disposição do meu espírito: nem o mínimo remorso, o mínimo constrangimento - nuvem alguma. Pelo contrário, há muito me não via tão bem disposto. O próprio meu amigo o observou.
Falamos os dois largamente essa noite, coisa que há bastante não acontecia. Ricardo terminara enfim nessa tarde o seu volume. Por isso nos não deixou…
… E no meio da sua conversa íntima, eu esquecera até o episódio dourado. Olhando em redor de mim nem mesmo me ocorria que Marta estava seguramente perto de nós…
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Na manhã seguinte, ao acordar, lembrei-me de que o poeta me dissera esta estranha coisa:
- Sabe você, Lúcio, que tive hoje uma bizarra alucinação? Foi à tarde. Deviam ser quatro horas… Escrevera o meu último verso. Saí do escritório. Dirigi-me para o meu quarto… Por acaso olhei para o espelho do guarda-vestidos e não me vi refletido nele! Era verdade! Via tudo em redor de mim, via tudo quanto me cercava projetado no espelho.