Ora, sabendo-me muito distraído, eu receava que alguma vez, em frente de Ricardo, me enganasse e a fosse tratar assim.
Este receio converteu-se por último numa ideia fixa, e por isso mesmo, por esse excesso de atenção, comecei um dia a ter súbitos descuidos. Porém, dessas vezes, eu encontrava-me sempre a tratar por tu, não Marta, mas Ricardo.
E embora depois tivéssemos assentado usar esse tratamento, o meu embaraço continuou durante alguns dias como se ingenuamente, confiadamente, Ricardo houvesse exigido que eu e a sua companheira nos tratássemos por tu.
* * *
As minhas entrevistas amorosas com Marta realizavam-se sempre em minha casa, à tarde.
Com efeito ela nunca se me quisera entregar em sua casa. Em sua casa apenas me dava os lábios a morder e consentia vícios prateados.
Eu admirava-me até muito da facilidade evidente que ela tinha em se encontrar comigo todas as tardes à mesma hora, em se demorar largo tempo.
Uma vez recomendei-lhe prudência. Ela riu. Pedi-lhe explicações: como não eram estranhadas as suas longas ausências, como me chegava sempre tranquila, caminhando pelas ruas desassombradamente, nunca se preocupando com as horas… E ela então soltou uma gargalhada, mordeu-me a boca… fugiu…
Nunca mais a interroguei sobre tal assunto. Seria mau gosto insistir.
Entretanto fora mais um segredo que se viera juntar à minha obsessão, a excitá-la…
De resto, as imprudências de Marta não conheciam limites.
Em sua casa beijava-me com as portas todas abertas, sem se lembrar de que qualquer criado nos poderia descobrir - ou mesmo o próprio Ricardo, que muitas vezes, de súbito, saía do seu gabinete de trabalho. Sim, ela nunca tinha desses receios. Era como se tal nos não pudesse acontecer - tal como se nós nos não beijássemos…
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Aliás, se havia alguém bem confiante, era o poeta.