Deus, meu Deus quem me diria entretanto que estava ainda a meio do meu calvário, que tudo o que eu já sofrera nada valeria em face de uma nova tortura - ai, desta vez, tortura bem real, não simples obsessão…
Com efeito um dia comecei observando uma certa mudança na atitude de Marta - nos seus gestos, no seu rosto: um vago constrangimento, um alheamento singular, devidos sem dúvida a qualquer preocupação. Ao mesmo tempo reparei que já não se me entregava com a mesma intensidade.
Demorava-se agora menos em minha casa e uma tarde, pela primeira vez faltou.
No dia seguinte não aludiu à sua ausência, nem eu tampouco me atrevi a perguntar-lhe coisa alguma.
Entretanto notei que a expressão do seu rosto mudara ainda: voltara a serenidade melancólica do seu rosto - mas essa serenidade era hoje diferente: mais loira, mais sensual, mais esbatida…
E, desde aí, principiou a não me aparecer amiudadas vezes - ou chegando fora das horas habituais, entrando e logo saindo, sem se me entregar.
De maneira que eu vivia agora num martírio incessante. Cada dia que se levantava, era cheio de medo de que ela me faltasse. E desde a manhã a esperava, fechado em casa, numa excitação indomável que me quebrava, que me ardia.
Por seu lado, Marta nunca tinha pensado em justificar-me as suas ausências, as suas recusas. E eu, embora o quisesse, ardentemente o quisesse, não lhe ousava fazer a mais ligeira pergunta.
De resto, devo explicar que, desde o início da nossa ligação, terminara a nossa intimidade. Com efeito, desde que Marta fora minha - eu olhava-a como se olha alguém que nos é muito superior e a quem tudo devemos. Recebera o seu amor como uma esmola de rainha - como aquilo que menos poderia esperar, como uma impossibilidade.
Eis pelo que não arriscava uma palavra.