Eu era apenas o seu escravo - um escravo a quem se prostituíra a patrícia debochada… Mas, por ser assim, tanto mais contorcida se enclavinhava a minha angústia.
* * *
Uma tarde decidi-me.
Passara há muito a hora depois da qual Marta nunca vinha.
- Ah! que faria nesse instante! Por que não viera!?…
Fosse como fosse, era preciso saber alguma coisa!
Já mais de uma vez, quando ela me faltava, eu estivera prestes a ir procurá-la. Mas nunca ousara sair do meu quarto, no receio pueril de que - embora muito tarde - ainda aparecesse.
Nesse dia, porém, pude-me vencer. Decidi-me…
Corri à casa do meu amigo numa ânsia esbraseada…
Fui encontrá-lo no seu gabinete de trabalho, entre uma avalancha de papéis, fazendo uma escolha dos seus versos inéditos para uma distribuição em dois volumes - distribuição que há mais de um ano o torturava.
- Ainda bem que apareceste! - gritou-me. - Vais-me ajudar nesta horrível tarefa!…
Volvi-lhe balbuciando, sem me atrever a perguntar pela sua companheira, motivo único da minha inesperada visita… Estaria em casa? Era pouco provável. Entanto podia ser…
Só a vi ao jantar. Tinha um vestido-tailleur, de passeio…
* * *
Agora todas as minhas obsessões se haviam dissipado, convertidas em ciúme - ciúme que eu ocultava à minha amante como uma vergonha, que fazia por ocultar a mim próprio, tentando substituí-lo pelos meus antigos desvarios. Mas sempre embalde.
Contudo nunca passavam três dias seguidos sem que Marta me pertencesse.
O horror físico que o seu corpo já me suscitara tinha voltado de novo. Esse horror, porém, e o ciúme mais me faziam desejá-la, mais alastravam em cores fulvas os meus espasmos.
* * *
Muitas vezes repeti a experiência de correr a sua casa nas tardes em que ela não vinha.