Mas nem por isso retrocedera!
E um turbilhão de pequeninas coisas me ocorria juntamente, mil factos sem importância ao primeiro exame, mil pormenores insignificantes em que eu só agora atentava.
Há muito que o meu amigo descobrira tudo decerto; por força que há muito soubera das nossas relações… Nem podia deixar de ser assim… Só se fosse cego… Era pasmoso!…
E ele que me queria sempre ao lado da sua companheira? Mudara de lugar à mesa, pretextando uma corrente de ar que nunca existira, só para que eu me sentasse junto de Marta e as nossas pernas se pudessem entrelaçar…
Se saíamos os três, eu ia ao lado dela… E nos nossos passeios de automóvel, Ricardo tomando sempre o volante, sentávamo-nos os dois sozinhos no interior da carruagem… bem chegados um ao outro… de mãos dadas. Sim; pois logo os nossos dedos se nos enastravam - maquinalmente, instintivamente… Ah! e era impossível que ele o não observasse quando, muita vez, se voltava para nos dizer qualquer coisa…
Mas - facto estranho - a verdade é que, nesses momentos, eu nunca receara que ele visse as nossas mãos; nunca me perturbara, nem sequer esboçara nunca um gesto de as desenlear… Era como se as nossas mãos fossem soltas, e nós sentados muito longe um do outro…
E dar-se-ia o mesmo com Sérgio? Oh, sem dúvida… Ricardo estimava-o tanto…
* * *
O mais infame, o mais inacreditável, porém, era que sabendo ele, a sua amizade, as suas atenções, por mim e pelo russo aumentassem cada dia…
Que ele soubesse e entanto se calasse, por muito amar a sua companheira e, acima de tudo, não a querer perder - ainda se admitia. Mas então, ao menos, que mostrasse uma atitude nobre - que nos não adulasse, que não nos acariciasse…
Ah! como tudo isto me revoltava! Não propriamente pela sua atitude; antes pela sua falta de orgulho.