Que nem a teria aberto, se a recebera…
Pessoa alguma conhecia o meu endereço. Saber-se-ia talvez que eu estava em Paris, devido a encontros fortuitos com vagos conhecidos.
Não comprava jornais portugueses. Se vinha no Matin qualquer telegrama de Lisboa, não o lia: e assim, em verdade quase triunfara esquecer-me de quem era… Entre a multidão cosmopolita, criava-me alguém sem pátria, sem amarras, sem raízes em todo o mundo.
- Ah! que venturoso eu fora se não tivesse nascido em parte nenhuma e entretanto existisse… - lembrei-me muita vez estranhamente, nos meus passeios solitários pelos bulevares, pelas avenidas, pelas grandes praças…
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Uma tarde, como de costume, folheava as últimas novidades literárias nas galerias do Odéon, quando deparei com um volume de capa amarela, recém-aparecido, segundo a clássica tira vermelha… E diante dos meus olhos, em letras de brasa, o nome de Ricardo de Loureiro fulgurou…
Era com efeito a tradução francesa do Diadema que um editor arrojado acabara de lançar, revelando ao mundo uma literatura nova…
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Nessa tarde, pela primeira vez desde que cheguei a Paris, tive algumas horas realmente alucinadas.
Durante elas embrenhei-me a pensar em Ricardo, no seu procedimento inqualificável, na sua inadmissível falta de orgulho.
Meditei em todos os pequenos episódios que atrás referi, descortinei outros ainda mais significativos, perdendo-me a querer descobrir todos os amantes possíveis de Marta… E numa alucinação, não podia conceber que nenhum dos homens que eu vira um dia junto dela não tivesse passado pelo seu corpo - e sabendo-o o marido: Luís de Monforte, Narciso do Amaral, Raul Vilar… todos, enfim, todos…
Entretanto, no meio disto, ainda havia qualquer coisa mais bizarra: era que nesta revolta, neste asco, neste ódio sim, neste ódio! - por Ricardo, misturava-se como que um vago despeito, um ciúme, um verdadeiro ciúme dele próprio.