É possível que ao expor-me tudo isso, os seus olhos estivessem húmidos de lágrimas.
Pelo meu lado, desde que o tinha em face de mim, ainda não pudera refletir; aturdia-me um denso véu de bruma - tal como na última tarde que passara com o meu amigo.
Escutei em silêncio os seus queixumes, até que, de repente - desenvencilhado, desperto - me não soube conter, como receara, e lhe comecei gritando todo o meu ódio: a minha revolta, o meu nojo…
A sua expressão dolorosa não se transformou com as minhas palavras - o artista pareceu mesmo não as estranhar, como se eu lhe desse a resposta mais natural ao que me contara. Apenas só agora, indubitavelmente, as lágrimas lhe desciam pelo rosto; mas não era diversa da primeira dor que as provocava.
E eu acabei:
- … Tinha-me atascado na lama… Por isso fugi… por essa ignomínia… Ouves? ouves!?…
Todo ele tremeu então. Velou-lhe o rosto uma sombra…
Deteve-se um instante e, por fim, numa voz muito estranha, sumida, húmida - tão singular que nem parecia vir da sua garganta, começou:
- Ah! como te enganas… Meu pobre amigo! Meu pobre amigo!… Doido que eu era no meu triunfo… Nunca me lembrei de que os mais o não entenderiam… Escuta-me! Escuta-me!… Oh! tu hás de me escutar!…
Sem vontade própria, esvaído, em silêncio, eu acompanhava-o como que arrastado por fios de ouro e lume, enquanto ele se me justificava:
- Sim! Marta foi tua amante, e não foi só tua amante… Mas eu não soube nunca quem eram os seus amantes. Ela é que mo dizia sempre… Eu é que lhos mostrava sempre!
"Sim! Sim! Triunfei encontrando-a!… Pois não te lembras já, Lúcio, do martírio da minha vida? Esqueceste-o?… Eu não podia ser amigo de ninguém… não podia experimentar afetos… Tudo em mim ecoava em ternura… eu só