O Retrato de Dorian Gray - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 176 / 335

Passaram semanas e semanas, e cada vez mais me absorvia em si. Surgiram então factos novos. Eu tinha-o desenhado representando Páris de grácil armadura, e Adónis de manto de caçador e lança reluzente. Coroado de flores de lótus, você sentara-se na proa da barca de Adriano, contemplando o Nilo verde e turvo. Debruçara-se sobre o sereno tanque dum bosque grego e vira na prata silente da água a maravilha do seu rosto. E tudo isso fora o que a arte deve ser: inconsciente, ideal e remota. Um dia - dia fatal, penso às vezes - resolvi pintar-lhe um retrato maravilhoso como você realmente é, não no trajo das eras mortas, mas no seu próprio trajar e na sua própria época. Se era o realismo do método, ou apenas a admiração da sua personalidade, que assim se me apresentava directamente, sem névoa ou véu, não posso dizer. Sei, porém, que, à medida que nele trabalhava, cada pincelada, cada mancha de tinta parecia-me revelar o meu segredo. Tive medo de que outrem soubesse da minha idolatria. Senti, Dorian, que havia dito demasiado de mim mesmo. Foi então que resolvi nunca consentir que o retrato fosse exposto. Você ficou um tanto contrariado; mas, então, não compreendia tudo o que ele para mim significava.




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