Por trás do forro da parede bulhavam ratos. Exalava-se um cheiro húmido a bafio.
- Então pensa que só Deus é que vê a alma, Basil? Afaste essa cortina e verá a minha!
Falava com voz fria e cruel.
- Está doido, Dorian, ou a representar um papel? - murmurou Hallward, carregando as sobrancelhas.
- Não quer? Afasto-a eu mesmo! - disse o jovem; e, a estas palavras, arrancou a cortina e atirou-a para o chão.
Uma exclamação de horror irrompeu dos lábios do pintor, ao deparar-se-lhe a carranca hedionda que da tela lhe fazia esgares. Havia na sua expressão alguma coisa que o encheu de horror e de asco. Deus do céu! Era a própria cara de Dorian Gray que estava contemplando! A sua maravilhosa beleza não estava, porém, ainda toda conspurcada. Havia algum oiro nos fios do cabelo e a boca sensual conservava os seus toques de escarlate. Os olhos empolados conservavam ainda alguma coisa do encanto do seu azul; das narinas cinzeladas e da garganta escultural não se haviam delido as nobres curvas. Sim, era o próprio Dorian. Mas quem fizera aquilo? Parecia-lhe reconhecer o seu trabalho, a moldura era a que ele desenhara... Era uma ideia monstruosa, e, todavia, tinha medo. Agarrou na vela acesa, ergueu-a à altura do retrato. Lá estava, no canto esquerdo, o seu nome, traçado em compridas letras rubras.