... Como a imagem duma dor, Cara sem coração...
- Sim, era exactamente isso o retrato. - Lord Henry riu-se.
- Se um homem trata a vida artisticamente, o seu cérebro é o seu coração - respondeu, afundando-se numa poltrona.
Dorian Gray abanou a cabeça e arrancou alguns acordes do piano, ao mesmo tempo que ia repetindo
…Como a imagem duma dor, Cara sem coração.
Lord Henry reclinou-se na poltrona e fitou-o com os olhos semicerrados.
- A propósito, Dorian - disse, passados uns minutos de silêncio - «que lucra um homem ganhando o mundo todo e - como é que ele dizia? - perdendo a sua alma»?
Dorian Gray pôs-se em pé e encarou o amigo fixamente.
- Porque me faz esse pergunta, Henry?
- Meu caro amigo - disse Lord Henry, alçando, como que surpreso, as sobrancelhas -, fi-la porque pensei que me poderia dar uma resposta. Nada mais. No domingo passado atravessei o Parque, e, ao pé do Arco de Mármore, achava-se reunida uma porção de gente mal vestida, que escutava um vulgar pregador ambulante. Ao passar, ouvi o homem fazer essa pergunta ao auditório. Impressionou-me por ser um tanto ou quanto dramática. Londres abunda em curiosos efeitos desse género. Um domingo de chuva, um esquipático cristão de capote de oleado, uma roda de caras pálidas e enfezadas, abrigadas sob um telhado de guarda-chuvas gotejantes, e uma frase admirável atirada ao ar por uns lábios estridentes e histéricos.