Que se aproximem e escolham o pomo da cidade mais favorável para acampar, aquele em que estarão mais aptos a conter os cidadãos do interior, se houver alguns que recusem obedecer às leis, e repelir os ataques do exterior, se o inimigo, como o lobo, vier precipitar-se sobre o rebanho. Depois de terem erguido o acampamento e sacrificado a quem devem, que montem as tendas, não é assim?
- Sim, é - disse ele.
- De tal modo que possam protegê-los do frio e do calor?
- Sem dúvida; é que me parece que queres falar das suas habitações.
- Sim - respondi -, habitações de soldados, e não de homens de negócios.
- Em que te parece - perguntou - que umas diferem das outras?
- Vou tentar explicar-to. A coisa mais terrível e vergonhosa que os pastores podem fazer é treinar, para os ajudarem a guardar o rebanho, cães que a intemperança, a fome ou qualquer hábito vicioso levariam a fazer mal aos carneiros e a tornar semelhantes a lobos os cães que deveriam ser.
- É uma coisa terrível, não há dúvida.
- Não devemos tomar todas as precauções possíveis para que os nossos auxiliares não se comportem deste modo com os cidadãos, visto que são mais fones do que eles, e não se tornem semelhantes a senhores selvagens, em vez de permanecerem aliados benevolentes?
- É preciso ter cuidado - disse ele.
- Ora, a melhor das precauções não consiste em dar-lhes uma educação realmente bela?
- Mas eles receberam-na - observou.
- Não é permitido afirmá-lo, meu caro Gláucon. Mas podemos dizer, como eu fazia há pouco, que devem receber a boa educação, qualquer que seja, se quiserem possuir o que, melhor do que qualquer outra coisa, os tornará mansos entre si e para com aqueles que têm à sua guarda.
- Tens razão - confessou.
- Para além desta educação, todo o homem sensato reconhecerá que é preciso dar-lhes habitações e bens que não os impeçam de ser guardas tão perfeitos quanto possível e não os incitem a fazer mal aos outros cidadãos.
- E estará no caminho certo.
- Vê então- continuei - se, para serem assim, devem viver e instalar-se da maneira que vou dizer: primeiramente, nenhum deles possuirá nada em exclusivo, excepto os objectos de primeira necessidade; em seguida, nenhum terá habitação nem loja onde toda a gente possa entrar.