E entendia por salvaguarda constante desta opinião o facto de alguém a manter a salvo no meio das dores e prazeres, dos desejos e temores, e não abandonar. Vou-te explicar isto com uma comparação, se quiseres.
- Claro que quero.
- Sabes que os tintureiros, quando querem tingir a lã de púrpura, começam por escolher, entre as de diversas cores, uma só espécie de lã, a branca; em seguida, preparam-na, sujeitam-na a um longo tratamento, a fim de que adquira o melhor possível o brilho da cor; por último, mergulham-na na tinta. E o que se tinge desta maneira é indelével: a lavagem, feita com ou sem dissolventes, não lhe come a cor; pelo contrário, sabes o que sucede quando não se procede assim, quando se tingem lãs de outra cor ou mesmo lã branca sem a preparar previamente.
- Sei - disse ele - que a cor desbota e se torna ridícula.
- Admite então - retorqui - que procedemos, na medida das nossas forças, a uma operação semelhante, ao escolhermos os guerreiros e ao educá-los na música e na ginástica. Não penses que foi outra coisa a nossa intenção: estávamos empenhados em que tivessem o melhor conhecimento possível das leis, a fim de que, graças à sua natureza e a uma educação apropriada, tivessem, sobre as coisas a temer e o resto, uma opinião indelével, que não pudesse ser apagada por esses dissolventes terríveis que são o prazer - mais poderoso na sua acção do que qualquer alcali ou lixívia -, a dor, o medo e o desejo - mais poderosos que qualquer dissolvente. É esta força que salvaguarda constantemente a opinião recta e legítima, respeitante às coisas que são ou não são de recear, que eu invoco, que eu considero coragem, se nada tens a objectar.
- Mas eu não objecto nada - disse ele -, porquanto me parece que, se a opinião sobre essas mesmas coisas não for o fruto da educação, se for selvagem ou servil, não a considerarás estável e dar-lhe-ás outro nome.
- O que dizes é exacto - confessei.
- Portanto, aceito a tua definição da coragem.
- Sim, aceita-a, pelo menos como a da coragem política, e terás razão. Mas sobre este ponto, se quiseres, discutiremos melhor noutra ocasião; para já, não é a coragem que procuramos, mas a justiça. Portanto, creio que basta sobre este assunto.
- Está certo - concordou.
- Assim - prossegui -, falta-nos descobrir duas virtudes na cidade, a temperança e o objecto de toda a nossa pesquisa, a justiça.
- Perfeitamente.
- Pois bem! Como poderemos encontrar a justiça sem nos ocuparmos da temperança?