- Não vês também que na tua cidade os desejos da turba dos homens de baixa condição são dominados pelos desejos e pela sabedoria do número mais pequeno dos homens virtuosos?
-Vejo.
- Se se pode dizer de uma cidade que é senhora dos seus prazeres, das suas paixões e de si mesma, é desta que é preciso dizê-lo.
- Sem dúvida.
- Mas não se deve considerá-la também tendo tudo isso em consideração?
- Com toda a certeza.
- E se, noutra cidade, governantes têm a mesma opinião no que toca aos que devem mandar, na nossa cidade também residirá esse acordo, não é assim?
- Sem dúvida nenhuma.
- Pois bem! Quando os cidadãos albergam tais disposições, em quais dirias que se encontra a moderação: nos governantes ou nos governados?
- Nuns e noutros - respondeu.
- Vês assim que tínhamos razão há pouco, quando dizíamos que a moderação se assemelha a uma harmonia. - Porquê?
- Porque não acontece com ela o mesmo que com a coragem e a sabedoria, que, residindo respectivamente numa parte da cidade, tornam esta corajosa e sábia. A moderação não actua assim: espalhada no conjunto do Estado, põe em uníssono da oitava os mais fracos, os mais fortes e os intermédios, sob a relação da sabedoria, se quiseres, da força, se também quiseres, do número, das riquezas ou de qualquer outra coisa semelhantes. Por isso, podemos dizer, com toda a razão, que a moderação consiste nessa concórdia, harmonia natural entre o superior e o inferior quanto ao ponto de saber quem deve mandar, tanto na cidade como no indivíduo.
- Concordo inteiramente contigo.
- Seja - disse eu. - Temos assim três coisas que foram descobertas na nossa cidade. Quanto à quarta, pela qual esta cidade também participa na virtude, que poderá ser? É evidente que é a justiça.
- É evidente.
- Ora bem, Gláucon, agora, como caçadores, temos de nos pôr em círculo em volta do matagal e evitar que a justiça fuja e se desvaneça diante dos nossos olhos. É indubitável que ela está aqui, em qualquer parte. Portanto, olha, esforça-te por procurá-la; talvez sejas o primeiro a vê-la e então mostrar-ma-ás.
- Quem me dera! Mas, se me tomares como seguidor, capaz de descobrir o que se lhe assinala, poderás utilizar muito melhor as minhas forças.
- Segue então depois de teres orado comigo".
- Seguirei - disse ele -, só quero que me guies.
- É claro - retorqui - que o local está oculto e é de acesso custoso; é escuro e difícil de bater. Mas é preciso avançar.
- Sim, é preciso avançar.