- Seria difícil decidir - disse ele. - E como não?
- Assim, a forma que contém cada cidadão nos limites da sua própria tarefa concorre, para a virtude de uma cidade, com a sabedoria, a moderação e a coragem dessa cidade.
- Com certeza.
- Mas não dirás que a justiça é essa força que concorre com as outras para a virtude de uma cidade?
- Sim, sem dúvida.
- Analisa agora a questão da seguinte maneira, para veres se a tua opinião continua a ser a mesma: encarregarás os chefes de julgar os processos?
- Sem dúvida.
- E procurarão eles, ao fazê-lo, outra felicidade que não seja esta: impedir que cada parte fique com os bens da outra ou seja privada dos seus?
- Não, nenhuma outra finalidade.
- Porque isso é justo?
-Sim.
- E assim se reconhecerá que a justiça consiste em guardar somente os bens que nos pertencem e em exercer unicamente a função que nos é própria.
- É isso.
- Nesse caso, vê se pensas como eu. Se um carpinteiro decidir exercer o ofício de sapateiro ou um sapateiro o de carpinteiro e trocarem as ferramentas ou os respectivos salários - ou se um mesmo homem tentar exercer estes dois ofícios e se todas as mudanças possíveis, excepto aquela que vou indicar, se produzirem - achas que isso pode prejudicar grandemente a cidade?
- É claro que não acho - respondeu.
- Pelo contrário, quando um homem, que a natureza destina a ser artesão ou a ocupar qualquer outro emprego lucrativo, exaltado pela riqueza, o grande número das suas relações, a força ou a outra vantagem semelhante, tenta elevar-se à categoria de guerreiro, ou um guerreiro à categoria de chefe e guarda, de que é indigno; quando são esses que trocam as suas ferramentas e os respectivos privilégios, ou quando um mesmo homem procura desempenhar todas estas funções ao mesmo tempo, julgas, como eu, segundo penso, que esta mudança e esta confusão provocam a ruína da cidade?
- Exactamente.
- A confusão e a mutação destas três classes entre si constituem para a cidade a deterioração suprema e com toda a razão se poderia considerar esta desordem como o maior dos malefícios.
- Com certeza.
- Ora, o maior malefício que se pode cometer contra a cidade não te parece que é a injustiça?
- Como não?
- Portanto, é nisso que consiste a injustiça.