- Mas, Sócrates, essa análise parece-me ridícula - observou. - Com efeito, se a vida parece insuportável quando a constituição do corpo se arruína, mesmo com todos os prazeres da mesa, com toda a riqueza e todo o poder possíveis, com mais forte razão o é quando o seu princípio é alterado e corrompido, mesmo que se tenha o poder de fazer tudo o que se quer - excepto evitar o vício e a injustiça e adquirir a justiça e a virtude. Quero dizer: se as coisas forem tais como as descrevemos.
- Efectivamente, esta análise seria ridícula - confessei. - Contudo, visto que atingimos um ponto de onde podemos discernir com a maior clareza que é essa a verdade, não devemos fraquejar.
- Não, por Zeus - disse ele -, de maneira nenhuma devemos fraquejar.
- Aproxima-te então - prossegui -, para veres sob quantas formas se apresenta o vício: pelo menos, aquelas que, na minha opinião, merecem a nossa atenção.
- Estou a seguir-te, aponta-as.
- Pois bem! Vendo as coisas do observatório em que estamos - visto que foi aqui que a discussão nos conduziu -, parece-me que a forma da virtude é só e as formas do vício são inúmeras, mas que existem quatro dignas de ser consideradas.
- Que queres dizer? - perguntou.
- Poderia suceder - respondi - que houvesse tantas espécies de almas quantas as espécies de constituições políticas.
- E quantas?
- Cinco espécies de constituições e cinco espécies de almas.
- Indica-as.
- Ei-las: a constituição que descrevemos é uma delas, embora a possa-mos designar por dois nomes. Com efeito, se há um homem entre os chefes que se sobrepõe de longe aos outros, chamamos-lhe monarquia; se há vários, aristocracia.
- É exacto.
- Mas afirmo que se trata de uma só espécie de constituição; com efeito, quer sejam vários ou um só, não abalarão as leis fundamentais da cidade enquanto observarem os princípios de educação que já descrevemos.
- Aparentemente, não.