- Deste modo, as mulheres dos nossos guardas abandonarão as suas roupas, pois que a sua virtude as substituirá; participarão na guerra e em todos os trabalhos relacionados com a guarda da cidade, sem se ocuparem de outra coisa; somente lhes atribuiremos no serviço a parte mais leve, por causa da fraqueza do seu sexo. Quanto àquele que zomba das mulheres nuas, quando se treinam com vista a uma finalidade excelente, colhe verde o fruto do riso; não sabe, aparentemente, de que zomba nem o que faz; com efeito, tem-se e ter-se-á sempre razão ao afirmar que o útil é belo e que só o nocivo é vergonhoso.
- Tens toda a razão.
- Podemos dizer que esta disposição da lei acerca das mulheres é como uma vaga a que acabamos de escapar a nado. E não só ficámos submersos ao decidirmos que os nossos guardas e as nossas guardas devem fazer tudo em comum, mas também o nosso discurso prova de algum modo que isso é ao mesmo tempo possível e vantajoso.
- Realmente, não é pequena a vaga a que acabas de escapar!
- Não dirás que é grande quando vires a que vem a seguir.
- Fala, então; mostra-ma.
- Creio que a essa lei e às precedentes se segue esta.
- Qual?
- As mulheres dos nossos guerreiros serão todas comuns a todos: nenhuma delas habitará em particular com nenhum deles; de igual modo, os filhos serão comuns e os pais não conhecerão os seus filhos nem estes os seus pais.
- Aí está uma coisa muito mais inverosímil que o resto e que dificilmente será julgada possível e vantajosa!
- Não penso que se possa contestar, no que respeita à vantagem, que a comunidade das mulheres e dos filhos não seja um bem enorme, se for realizável; mas creio que, quanto à sua possibilidade, se pode erguer prolongada contestação.
- Um e outro ponto - observou - podem muito bem ser contestados.
- Queres dizer que terei de enfrentar uma série de dificuldades. E eu que esperava evitar uma, se reconhecesses a vantagem, e ter de discutir apenas a possibilidade!
- Sim, mas não soubeste dissimular a tua evasiva. Portanto, explica estes dois pontos.
-Tenho de sofrer a pena em que incorri - confessei. - Concede-me, porém, esta graça: deixa que me despeça como esses preguiçosos que têm o hábito de se alimentar dos seus próprios pensamentos quando caminham sozinhos.