- Diremos que as forças são uma espécie de seres que nos tornam capazes, a nós e a todos os outros agentes, das operações que nos são próprias. Por exemplo, digo que a vista e o ouvido são forças. Compreendes o que entendo por este nome genérico?
- Compreendo.
- Escuta então qual é a minha ideia a respeito das forças. Não vejo
nelas nem cor, nem figura, nem nenhum desses atributos que possuem muitas outras coisas e relativamente ao que faço em mim mesmo distinções entre essas coisas. Não encaro numa força senão o objecto ao qual ela se aplica e os efeitos que produz: por esta razão, dei a todas o nome de forças e considero idênticas as que se aplicam ao mesmo objecto e produzem os mesmos efeitos, diferentes aquelas cujo objecto e cujos efeitos são diferentes. Mas tu, como fazes?
- Da mesma maneira.
- Agora prossigamos, excelente amigo - disse eu. - Situas a ciência no número das forças ou noutro género de seres?
- Situo-a no número das forças: é até a mais forte de todas.
- E a opinião? Situá-la-emos entre as forças ou noutra classe?
- De modo nenhum - respondeu -, porquanto a opinião não é mais do que a força que nos permite julgar pela aparência.
- Mas ainda há pouco admitias que a ciência e opinião são duas coisas distintas.
- Sem dúvida. E como poderia um homem sensato confundir o que é infalível com o que não o é?
- Bem - retorqui -, torna-se assim evidente que distinguimos a opinião da ciência.
- Sim.
- Por conseguinte, cada uma tem, por natureza, um poder distinto sobre um objecto distinto.
- Necessariamente.
- A ciência sobre o que é, para saber como se comporta o ser.
- Sim.
- E a opinião para julgar pela ciência.
- Sim.
- Mas sabe ela o que sabe a ciência? Uma mesma coisa pode ser ao mesmo tempo objecto da ciência e da opinião ou isso é impossível?
- A nosso ver, é impossível; com efeito, se forças diferentes têm por natureza objectos diferentes, se, por outro lado, ciência e opinião são duas forças diferentes, segue-se que o objecto da ciência não pode ser o da opinião.
- Nesse caso, se o objecto da ciência é o ser, o da opinião será algo diferente do ser?
- Algo diferente.
- Mas a opinião pode incidir sobre o não-ser? Ou é impossível saber por ela o que não é? Reflecte: aquele que opina opina sobre alguma coisa ou pode-se opinar e não opinar sobre nada?
- É impossível.
- Assim, aquele que opina opina sobre determinada coisa.
- Sim.