- Assemelham-se - respondeu - a essas frases equívocas que se proferem nos banquetes e ao enigma das crianças sobre o eunuco que ataca o morcego, onde se diz, de maneira misteriosa, com que o atacou e onde estava pendurado. Essas numerosas coisas de que falas têm um carácter ambíguo e nenhuma delas se pode firmemente conceber como sendo ou não sendo ou conjuntamente uma e outra ou nem uma nem outra.
- Que fazer, por conseguinte, e onde situá-las melhor do que entre o ser e o não-ser? Não parecerão mais obscuras que o não-ser sob o aspecto do mínimo de existência, nem mais claras que o ser sob o do máximo de existência?
- Por certo que não.
- Parece, pois, que descobrimos que as múltiplas fórmulas da multidão respeitantes ao belo e às outras coisas semelhantes rolam, por assim dizer, entre o nada e a existência absoluta.
- Sim, descobrimo-lo.
- Mas concordámos previamente que, se tal coisa fosse descoberta, seria necessário dizer que ela é o objecto da opinião, e não o objecto do conhecimento, o que erra assim num espaço intermédio que é apreendido por uma força intermédia.
- Sim, concordámos.
- Deste modo, os que passeiam o olhar pela multidão das coisas belas, mas não apreendem o próprio belo e não podem seguir aquele que gostaria de os conduzir a essa contemplação, que vêem a multidão das coisas justas sem verem a própria justiça, e assim por diante, esses, diremos nós, opinam sobre tudo, mas não sabem nada das coisas sobre as quais opinam.
- Necessariamente.
- Mas que diremos daqueles que contemplam as coisas em si mesmas, na sua essência imutável? Que têm conhecimentos, e não opiniões, não é verdade?
- Necessariamente, também.
- Não diremos igualmente que sentem afeição e amor pelas coisas, que são o objecto da ciência, ao passo que os outros sentem isso apenas por aquelas que são o objecto da opinião? Não te lembras do que dizíamos acerca destes últimos que amam e admiram as belas vozes, as cores belas e as outras coisas semelhantes, mas não admitem que o belo em si mesmo seja uma realidade?
- Lembro.
- Será que os ofenderemos se lhes chamarmos filodoxos em vez de filósofos? Ficarão muito irritados connosco se os tratarmos assim?
- Não, se quiserem acreditar em mim - disse ele. - Com efeito, não é lícito irritar-se contra a verdade.
- Portanto, teremos de chamar filósofos, e não filodoxos, aos que em tudo se prendem à realidade?
- Sem sombra de dúvida.