- Muito baixo é, portanto, Ó Adimanto, o número dos que podem dignamente ter trato com a filosofia: talvez algum nobre carácter formado por uma boa educação e salvo pelo exílio, que, longe de toda a influência corruptora, continue fiel à sua natureza e vocação; ou alguma grande alma, nascida numa humilde cidade, que despreze e desdenhe os cargos públicos; talvez ainda algum raro e feliz carácter que abandone, para se entregar à filosofia, outra profissão que justamente considere inferior. O autodomínio do nosso camarada Téages pode também segurar alguns. Com efeito Téages foi dotado de todas as qualidades que afastam da filosofia, mas os cuidados que o seu corpo enfermiço exige mantêm-no afastado da vida política. Quanto a nós, não convém muito que falemos do nosso signo demoníaco, porquanto é duvidoso que se possa encontrar outro exemplo no passado. Ora, neste pequeno grupo, aquele que se tornou filósofo e experimentou a serenidade e a ventura que proporciona a posse da sabedoria, que viu a loucura da multidão e que não há por assim dizer ninguém que faça nada de sensato no domínio dos assuntos públicos, aquele que sabe que não tem aliado com quem possa ir em socorro da justiça sem se perder, mas que, pelo contrário, como um homem caído no meio de animais ferozes, recusando-se a participar nos seus crimes e, por outro lado, incapaz de resistir sozinho a esses seres selvagens, pereceria antes de ter servido a pátria e os amigos, inútil a si mesmo e aos outros; penetrado por tais reflexões, fica inactivo e ocupa-se dos seus negócios; semelhante ao viajante que, durante uma tempestade, enquanto o vento ergue turbilhões de pó e chuva, se abriga atrás de um pequeno muro, vê os outros sujos de iniquidades e sente-se feliz se consegue viver a sua vida neste mundo puro de injustiça e de acções ímpias e deixá-la sorridente e tranquilo, com uma bela esperança.
- Na verdade - disse ele -, não desaparecerá sem ter realizado grandes coisas.
- Sim, mas não terá cumprido o seu mais alto destino, por não ter deparado com um governo adequado. Com efeito, num governo adequado, o filósofo engrandece-se ainda mais e assegura a salvação comum ao mesmo tempo que a sua. Ora, sobre a causa e a injustiça das acusações feitas à filosofia, creio que já discorremos bastante - a não ser que tenhas mais alguma coisa a dizer.
- Não, não tenho nada a acrescentar. Mas, entre os governos actuais, qual é, na tua opinião, o que convém à filosofia?
