- Pois bem! - perguntei. - Teremos convencido aqueles que apresentavas como dispostos a cair sobre nós de que um tal pintor de constituições é o homem que lhes gabávamos há instantes e que excitava o seu mau humor porque lhe queríamos confiar o governo das cidades? Será que se acalmarão ao ouvir-nos?
- Muito - respondeu -, se forem ponderados.
- Que mais teriam a objectar-nos? Que os filósofos não são amantes do ser e da verdade? - Seria absurdo.
- Que o seu temperamento, tal como o descrevemos, nada tem a ver com o que há de melhor?
-Também não.
- O quê, então? Que esse temperamento, deparando com instituições adequadas, não é mais apropriado que qualquer outro a tornar-se perfeitamente bom e sábio? Ou dirão que o são mais os que afastámos?
- Por certo que não.
- Assustar-se-ão ao ouvirem-nos dizer que os males da cidade e dos cidadãos só terão fim quando os filósofos detiverem o poder e que o governo que imaginámos será realizado de facto?
- Talvez menos - disse.
- Queres que deixemos de lado esse «menos» e os declaremos a todos apaziguados e persuadidos, a fim de que a vergonha, na falta de outro motivo, os obrigue a concordar?
- Sim, quero - disse ele.
- Consideremo-los então - prossegui - convencidos neste ponto. Agora, quem nos contestará que é possível encontrar filhos de reis ou de soberanos nascidos filósofos?
-Ninguém.
- E quem pode dizer que, nascidos com tais disposições, é forçoso que se corrompam? Que lhes seja difícil evitá-lo, nós próprios o admitimos; mas que, com o decorrer dos tempos, nem um só se salve, há alguém que possa sustentá-lo?
- Com certeza que não.
- Ora, basta que um se salve e encontre uma cidade dócil às suas opiniões para realizar todas as coisas que hoje se consideram impossíveis.
- Um só basta, com efeito.
- Na verdade, tendo esse chefe estabelecido as leis e as instituições que descrevemos, não é certamente impossível que os cidadãos aceitem sujeitar-se a elas.
- De maneira nenhuma.
- Mas é espantoso e impossível que o que aprovamos seja também aprovado por outros?
- Não o creio - disse ele.
- E certamente, como demonstrámos suficientemente, creio eu, que o nosso projecto é o melhor, se for realizável. - Suficientemente, com efeito.
- Parece, pois, que somos levados a concluir, no que respeita ao nosso plano de legislação, que, por um lado, é excelente, se puder ser realizado e, por outro, a sua realização é difícil, mas não impossível.