- É a minha opinião; com efeito, saber reconhecer facilmente o momento do mês e do ano em que se está é coisa que interessa não só à arte do lavrador e à arte do piloto, mas também, e não menos, à do general.
- Divertes-me - disse eu. - Com efeito, pareces recear que o vulgar te censure por prescreveres estudos inúteis. Ora, importa muito, ainda que seja difícil, acreditar que os estudos de que falamos purificam e reavivam em cada um de nós um órgão da alma deteriorado e ofuscado pelas outras ocupações - órgão cuja conservação é mil vezes mais preciosa do que a dos olhos do corpo, visto que é unicamente por ele que se descobre a verdade. As tuas ideias parecerão extremamente exactas aos que compartilham esta opinião; mas os que não estão esclarecidos sobre isso pensarão naturalmente que essas ideias não significam nada; é que, fora da utilidade prática, não vêem nestas ciências nenhuma outra vantagem digna de nota. Pergunta a ti mesmo a qual destes dois grupos de ouvintes te diriges; ou se não é nem para uns nem para outros, mas principalmente para ti, que argumentas, sem no entanto, invejar a outro o proveito que possa tirar dos teus raciocínios.
- É o partido que escolho - respondeu - falar, interrogar e responder principalmente para mim.
- Volta então atrás - disse eu -, dado que há pouco escolhemos a ciência que se segue imediatamente à geometria.
- Como assim? - inquiriu.
- Depois das superfícies, tratámos dos sólidos já em movimento, antes de nos ocuparmos dos sólidos em si mesmos; ora, a ordem exige que, depois do que é elevado à segunda potência, se passe ao que o é à terceira, ou seja, aos cubos e aos objectos que têm profundidade.
- É verdade - reconheceu. - Mas parece-me, Sócrates, que essa ciência não foi ainda descoberta.
- Sendo assim - retorqui -, isso deve-se a duas causas: em primeiro lugar, nenhuma cidade honra estas pesquisas e, como são difíceis, trabalha-se pouco nelas; em seguida, os investigadores têm necessidade de um director, sem o qual os seus esforços serão inúteis. Ora, é difícil encontrar um e, se o encontrássemos, no estado actual das coisas, os que se ocupam destas pesquisas têm demasiada presunção para lhe obedecer. Mas, se uma cidade inteira cooperasse com esse director e honrasse essa ciência, eles obedeceriam e as questões que esta levanta, estudadas com sequência e vigor, seriam elucidadas, visto que, mesmo actualmente, desprezada pelo vulgar, truncada por investigadores que não compreendem a sua utilidade, apesar de todos estes obstáculos e só pela força do encanto que exerce, ela faz progressos; por isso não é para admirar que esteja na situação em que a vemos.