- Presumo o mesmo; mas é um trabalho difícil o que propões, Sócrates
- Referes-te ao trabalho do prelúdio ou a outro? Não sabemos que todos estes estudos são apenas o prelúdio da ária que é preciso aprender É que, com certeza, os hábeis nestas ciências não são, na tua opinião, dialécticos.
- Não, por Zeus! - disse ele -, com excepção de um número m pequeno daqueles que encontrei.
- Mas - perguntei - achas que pessoas que não são capazes de dar razão ou mostrar-se razoáveis possam vir a conhecer o que dizemos que é preciso saber?
- Não, não acho - respondeu.
- Pois bem! Gláucon - continuei -, não é afinal essa ária que a dialéctica executa? É inteligível, mas imita-a o poder da vista que, como dissemos, tenta primeiramente olhar os seres vivos, depois os astros e finalmente o próprio Sol. Assim, quando um homem tenta, através da dialéctica, sem a ajuda de nenhum sentido, mas por meio da razão, chegar à essência de cada coisa e não se detém antes de ter apreendido só pela inteligência a essência do bem, atinge o termo do inteligível, como o outro, há pouco, atingia o termo do visível.
- Com certeza.
- Mas quê? Não é a isto que chamas a marcha dialéctica?
- Sem dúvida.
- Lembras-te - prossegui - do homem da caverna: a sua libertação das cadeias, a sua conversão das sombras para as figuras artificiais e a claridade que as projecta, a sua ascensão do subterrâneo para o Sol e daí a impotência em que se vê ainda de olhar para os animais, as plantas e a luz do Sol, que o obriga a contemplar nas águas as suas imagens divinas e as sombras dos seres reais, mas não já as sombras projectadas por uma luz que, comparada com o Sol, não é senão uma imagem também - eis precisamente os efeitos do estudo das ciências que acabamos de examinar: eleva a parte mais nobre da alma até à contemplação do mais excelente de todos os seres, como há instantes vimos o mais penetrante dos órgãos do corpo erguer-se à contemplação do que há de mais luminoso no inundo material e visível.
- Admito-o - disse ele -, embora me pareça difícil de admitir; mas, por outro lado, também me parece difícil de rejeitar. Contudo, como se trata de coisas de que não nos ocuparemos apenas hoje, mas a que teremos de voltar várias vezes, suponhamos que é como dizes, passemos à própria ária e estudemo-la da mesma maneira que o prelúdio.