— Entendo o governante no sentido exacto da palavra—respondeu. —Para isso, tenta prejudicar-me ou caluniar-me, se puderes—não peço tréguas. Mas não és capaz!
— Imaginas que sou louco ao ponto de tentar tosquiar um leão ou caluniar Trasímaco?
— A verdade é que o acabas de tentar, ainda que inutilmente!
— Basta de palavreado! — gritei. — Mas diz-me: o médico, no sentido exacto do termo, de que falavas há pouco, tem por objecto ganhar dinheiro ou tratar os doentes? E fala-me do médico autêntico.
— Tem por objecto — respondeu — tratar os doentes.
— E o piloto? O piloto autêntico é chefe dos marinheiros ou marinheiro?
— Chefe dos marinheiros.
— Não creio que se deva ter em conta o facto de navegar num navio para que se lhe chame marinheiro; com efeito, não é por navegar que se lhe chama piloto, mas por causa da sua arte e do comando que exerce sobre os marinheiros.
— É verdade — confessou.
— Portanto, para o doente e o marinheiro existe alguma coisa de vantajoso?
— Sem dúvida.
— E a arte — continuei — não tem por finalidade procurar e proporcionar a cada um o que é vantajoso para ele?
— É isso — concordou.
— Mas, para cada arte, há outra vantagem além de ser tão perfeita quanto possível?
— Qual é o sentido da tua pergunta?