— Lembro-me — respondeu —, mas o que acabas de afirmar não me agrada e sei como responder. Simplesmente, se eu usar da palavra, dirás que estou a fazer uma palestra. Portanto, deixa-me falar à minha maneira ou, se queres interrogar-me, interroga; e eu, como é costume com as velhas que contam histórias, dir-te-ei «seja!» e aprovar-te-ei ou desaprovar-te-ei com a cabeça.
— Pelo menos — supliquei — não respondas de modo nenhum contra a tua opinião.
— Farei como te aprouver, visto que não me deixas falar. Que mais queres?
— Nada, por Zeus! — exclamei. — Faz como entenderes; vou interrogar-te.
— Interroga.
— Far-te-ei a mesma pergunta que há pouco, a fim de podermos continuar a discussão: que é a justiça em relação à injustiça? Com efeito, foi dito que a injustiça é mais forte e poderosa do que a justiça; mas agora, se a justiça é sabedoria e virtude, conclui-se facilmente, creio eu, que ela é mais forte do que a injustiça, visto que a injustiça é ignorância. Já ninguém pode ignorá-lo. Contudo, não é de uma maneira tão simples, Trasímaco, que desejo encarar o caso, mas do ponto de vista seguinte: não há, diz-me, cidade injusta que tente sujeitar ou tenha sujeitado outras cidades, mantendo um grande número delas em escravidão?
— Com certeza — respondeu. — E é assim que agirá a melhor cidade, a mais perfeitamente injusta.
— Eu sei que era essa a tua tese. Mas a tal propósito considero este ponto: uma cidade que se torna senhora de outra cidade poderá fazê-lo sem a justiça ou será obrigada a recorrer a ela?