Crês que Deus seja um mágico capaz de aparecer insidiosamente sob formas diversas, ora realmente presente e transformando a sua imagem numa infinidade de figuras diferentes, ora enganando-nos e mostrando de si mesmo apenas fantasmas sem realidade? Não será antes um ser simples, o menos capaz de sair da forma que lhe é própria?
- Não posso responder-te imediatamente - disse ele.
- Mas responde a isto. Não é forçoso, se um ser sai da sua forma, que se transforme a si mesmo ou seja transformado por outro?
- É forçoso.
- Mas as coisas mais bem constituídas não são as menos susceptíveis de ser alteradas e movidas por uma influência estranha? Considera, por exemplo, as alterações causadas no corpo pela comida, a bebida, a fadiga, ou na planta pelo calor do Sol, os ventos e outros acidentes semelhantes; o indivíduo mais são e vigoroso não é o menos atingido?
- Sem dúvida.
- E a alma mais corajosa e sábia não é a menos perturbada e menos alterada pelos acidentes exteriores?
-Sim, é.
- Pela mesma razão, de todos os objectos fabricados, edifícios, roupas, os bem trabalhados e em bom estado são os que o tempo e os outros agentes de destruição alteram menos.
- É exacto.
- Portanto, todo o ser perfeito, que tira a sua perfeição da natureza, da arte ou das duas, está menos exposto a uma mudança vinda de fora.
- Assim parece.
- Mas Deus, com o que pertence à sua natureza, é em todos os aspectos perfeito?
- Como não?
- E por isso é o menos susceptível de receber várias formas?
- O menos susceptível, sem dúvida.
- Mas seria por si mesmo que mudaria e se transformaria?
- Evidentemente - respondeu -, seria por si mesmo, se é certo que se transforma.
- Mas toma uma forma melhor e mais bela ou pior e mais feia?
- É forçoso que tome uma forma pior, se mudar; é que não podemos dizer que falta a Deus nenhum grau de beleza ou de virtude.
- Tens inteiramente razão - disse eu. - Mas, se assim é, achas, Adimanto, que um ser se torna voluntariamente pior em qualquer aspecto que seja - quer se trate de um deus ou de um homem?
- É impossível - confessou.
- Portanto, também é impossível- continuei - que um deus consinta em transformar-se; sendo cada um dos deuses o mais belo e o melhor possível, permanece sempre com simplicidade na forma que lhe é própria.
- Assim é necessário, parece-me.
- Portanto, que nenhum poeta, excelente amigo, nos diga que
os deuses sob o aspecto de remotos estranhos,
e tomando todas as formas, percorrer as cidades? ;