O Livro da Selva - Cap. 2: A CAÇADA DE CÁ Pág. 28 / 158

- Nunca tiveram chefe - disse Bàguirà. - Mentem. Mentiram sempre.

- Trataram-me muito bem e disseram-me que voltasse. Porque nunca me levastes para o meio do povo macaco? Andam de pé como eu. Não me batem com as patas rijas. Todo o dia brincam. Deixa-me levantar! Malvado Bálu, deixa-me pôr de pé! Quero ir brincar com eles outra vez.

- Escuta, cachorro de homem - disse o urso, e a voz tinha ribombos de trovão em noite ardente. - Ensinei-te a Lei da Selva para todos os moradores dela, excepto a do povo macaco, que vive nas árvores. Esses não têm lei. São proscritos. Não têm língua própria, mas servem-se das palavras roubadas que ouvem, escutando e espreitando ocultos nas ramagens. Os seus costumes não são os nossos. Não têm dirigentes. Não têm memória. Gabam-se, palram e fingem que são um grande povo prestes a realizar grandes façanhas na Selva, mas a queda de uma avelã distrai-os, fá-los rir, e tudo esquecem. Nós, a gente da Selva, não queremos nada com eles. Não bebemos onde os macacos bebem, não vamos para onde os macacos vão, não caçamos onde eles caçam, não morremos onde eles morrem. Ouviste-me alguma vez falar dos Bândarlougue, a não ser hoje?

- Não - disse Máugli num cicio, pois a floresta ficou muito calada quando Bálu acabou.

- As gentes da Selva afastam-nos tanto da boca como da ideia. São inúmeros, maus, sujos, desavergonhados, e desejam, se é que têm algum desejo firme, ser notados pelas gentes da Selva. Mas nós não lhes damos atenção, nem sequer quando nos atiram avelãs e lixo à cabeça.

Mal tinham acabado de falar quando um chuveiro de avelãs e ramos caiu aos salpicas, através da ramaria, e ouviram tossidelas, uivos e saltos de fúria lá no alto, entre os ramos delgados.

- O povo macaco está-nos vedado - disse Bálu -, vedado às gentes da Selva.





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