O Livro da Selva - Cap. 3: TIGRE! TIGRE! Pág. 57 / 158

Por outro lado, os miúdos da aldeia irritavam-no deveras. Felizmente, a Lei da Selva ensinara-o a dominar a cólera, porque na Selva a vida e sustento dependem desse poder, mas quando troçavam dele, porque não queria entrar num jogo, lançar papagaios de papel ou porque pronunciara mal qualquer palavra, só a consciência de que não era desportivo matar pequenos cachorros nus o impedia de pegar neles e de os rachar ao meio.

Não fazia a menor ideia da sua força. Sabia que na Selva era fraco em comparação com as feras, mas na aldeia diziam que era forte como um touro.

E Máugli não compreendia também a diferença de castas entre homem e homem. Quando o jumento do oleiro escorregou e caiu no barral, Máugli puxou -o para fora pelo rabo e ajudou a carregar-lhe as panelas para seguirem para a feira de Canivara. Isso foi coisa abominável também, porque o oleiro é homem de casta inferior, e o burrico ainda é pior. Quando o padre lhe ralhou, Máugli ameaçou-o de o pôr também em cima do jerico, e o sacerdote disse ao marido de Messua que era preciso levar o rapaz quanto antes a trabalhar; o maioral da aldeia ordenou-lhe que saísse com os búfalos no dia seguinte e os vigiasse enquanto andassem no pasto. Ninguém ficou mais contente que Máugli; e nessa noite, porque fora por assim dizer nomeado serviçal da aldeia, assistiu ao círculo que se reunia todas as noites num estrado de pedra sob uma grande figueira. Era a assembleia local, e o maioral, o guarda-nocturno, o barbeiro (que sabia todas as novidades da terra), e o velho Buldeo, caçador da aldeia, que tinha um mosquete da Torre, ali se reuniam a fumar. Havia macacos empoleirados nos ramos superiores e, debaixo do estrado, existia um buraco onde morava uma cobra-capelo, a qual, por ser sagrada, recebia todas as noites a sua pequena taça de leite; e os anciãos sentavam-se em roda da árvore a conversar e a chupar as grandes hucas [cachimbos de água] até altas horas.





Os capítulos deste livro