Desde que Àquêlà fora deposto, a alcateia estivera sem chefe, caçando e lutando a bel-prazer. Mas responderam por hábito à chamada, e uns estavam coxos por terem caído em armadilhas, alguns coxeavam dos ferimentos de tiros, outros tinham apanhado a sarna por causa da má alimentação, e muitos faltavam; mas, dos que restavam, todos vieram à Rocha do Conselho e viram a pele raiada de Xer Cane sobre a rocha, as enormes garras a bambolear nas extremidades dos pés inertes e pendentes. Foi então que Máugli compôs um canto sem rima, um canto que espontaneamente lhe subiu à garganta, e ele recitou-o em voz alta, saltando de um lado para o outro sobre a pele retumbante e marcando o compasso com os calcanhares, até perder de todo o fôlego, com Irmão Cinzento e Àquêlà a uivarem entre os versos.
- Olhai bem, lobos! Cumpri ou não a minha palavra? - disse Máugli depois de acabar. E os lobos ladraram:
- Sim. - E um, todo esfarrapado, uivou:
- Volta a conduzir-nos, Àquêlà. Guia-nos de novo, ó Cachorro de Homem, porque estamos fartos da desordem e queríamos ser o povo livre mais uma vez.
- Isso não - rosnou Bàguirà -, isso não pode ser. Quando estiverdes fartos, pode dar-vos de novo a loucura. Não é sem razão que vos chamais o povo livre. Lutastes pela liberdade e tende-la. Comei-a, ó lobos.
- Quer a alcateia dos homens quer a dos lobos escorraçaram-me - disse Máugli. - Agora vou caçar sozinho na Selva.
- E nós queremos caçar contigo - disseram os quatro lobitos.
Máugli abalou, pois, para a Selva e, a partir daquele dia, caçou com os quatro lobitos. Mas não continuou sempre só, porque, anos depois, fez-se homem e casou.
Mas isso é história para adultos.
O CANTO DE MÁUGLI
(QUE ELE CANTOU NA ROCHA DO CONSELHO DANÇANDO SOBRE A PELE DE XER CANE)
O Canto de Máugli - Sou Eu Máugli que canto.