Não me mexi, com receio de despertá-lo; e como deixara de sentir sobre mim o fogo dos seus olhos sinistros, recobrei a liberdade de espírito suficiente para reflectir. Portanto, encontrava-me fechado com a fera para passar a noite. O meu instinto, sem falar nas palavras do patife que me armara esta cilada, advertia-me de que o animal era tão selvagem como o amo. Como mantê-lo à distância até nascer o dia? Nada a esperar do lado da porta. Não mais do lado das janelas, estreitas e fechadas por barras. Nenhum refúgio nesta sala nua e lajeada. Inútil chamar por socorro; sabia que este covil não fazia propriamente parte da casa e que o corredor que o ligava a ela tinha pelo menos trinta metros de comprimento. Aliás com o vento que soprava, nenhuma hipótese havia de que os meus gritos fossem ouvidos. Apenas podia confiar no meu sangue-frio e na minha coragem.
Mas, com um acréscimo de horror, fitei a lanterna.
A vela tinha chegado ao fim e começara a derreter-se. Apagar-se-ia dentro de dez minutos. Apenas dispunha, portanto, de dez minutos para agir; porque sentia que deixaria de ter poder logo que ficasse no escuro com o horrível animal. Só de pensar numa tal situação paralisava-me. Inspeccionei com desespero aquela câmara ardente e reparei num sítio que parecia prometer-me não, positivamente, a segurança, mas um perigo menos imediato do que o próprio solo.
Disse que a jaula possuía grades tanto no topo como na frente: quando a frente se deslocava, a grade superior ficava no mesmo sítio. Esta grade superior, feita de varões espaçados entre si alguns centímetros e reunidos por uma forte rede de arame, assentava em cada extremidade numa grossa escora. Formava, sobre a temível massa que se esmagava em terra, uma espécie de largo dossel na esquina da jaula.