Falei-lhe nisso. Ficou de vir no barco, certa noite, a um velho cais que nunca era guardado, para me levar. Dei-lhe instruções para trazer várias cabaças com água e muito inhame, cocos e batatas-doces.
»Era dedicado e fiel, aquele pequeno Tonga. Nunca ninguém teve um companheiro tão amigo. Na noite combinada trouxe o barco para o cais. Aconteceu, porém, estar ali um guarda da prisão, Pathan, um patife que nunca desperdiçava uma oportunidade para me insultar e bater. Jurara que me havia de vingar e chegara a minha vez. Era como se o destino o tivesse posto no meu caminho para que pudesse pagar a minha dívida antes de deixar a ilha. Ele estava na margem, de costas voltadas para mim e com a carabina ao ombro. Procurei uma pedra para lhe rachar a cabeça, mas não encontrei nenhuma.
»Tive então uma ideia para me apoderar da arma dele.
Sentei-me, na escuridão, e tirei a perna de pau. Com três grandes saltos caí sobre o homem. Chegou a levar a carabina ao ombro, mas bati-lhe em cheio na cabeça. Ainda se vê a marca da pancada na madeira. Fomos os dois parar ao chão, pois não consegui equilibrar-me; mas, quando me levantei, vi que ele ficara estendido, muito quieto. Fui para o barco. Passada uma hora estávamos no mar alto. Tonga trouxera todas as suas posses, armas e deuses. Entre outras coisas, tinha uma comprida cana de bambu e algumas esteiras de folhas de coqueiro, com as quais fiz uma espécie de vela. Durante dez dias andámos à deriva, confiando na sorte, até que fomos apanhados por um navio mercante que ia de Singapura para Jiddah, cheio de peregrinos malaios. Era uma gente estranha, mas eu e Tonga depressa nos habituámos a eles. Tinham uma grande qualidade: deixavam-nos em paz e não faziam perguntas.
»Bem, se lhes fosse contar todas as aventuras por que passámos, não me agradeceriam, pois teriam de me ouvir até ao nascer do Sol.