- Sou a última e mais alta instância a que se recorre para resolver um caso. Quando Gregson, ou Lestrade, ou Athelney Jones estão desorientados, o que é, diga-se de passagem, o seu estado normal, o assunto é-me apresentado. Examino os dados, na qualidade de perito, e pronuncio um parecer de especialista. Não exijo que seja reconhecido o meu mérito em tais casos. O meu nome não aparece nos jornais. O próprio trabalho, o prazer em encontrar um campo de aplicação para as minhas faculdades peculiares, é a maior recompensa. Já teve oportunidade de conhecer os meus métodos de trabalho por ocasião do caso de Jefferson Hope.
- Sim, é verdade - retorqui cordialmente. - Nada me impressionou tanto em toda a minha vida. Cheguei mesmo a narrar o caso numa pequena brochura, com o título um pouco fantástico de Um Estudo em Escarlate.
Abanou a cabeça tristemente.
- Dei-lhe uma vista de olhos - disse ele. - Confesso que não posso felicitá-lo por ter escrito essa obra. O trabalho do detective é, ou deve ser, uma ciência exacta e assim tem de ser tratado, friamente, sem emoção. Tentou emprestar-lhe alguns traços de romantismo, o que produz quase o mesmo efeito que introduzir uma história de amor na quinta proposição de Euclides,
- Mas o romance existia - objectei. - Não podia adulterar os factos.
- Há factos que deveriam ter sido suprimidos, ou, pelo menos, um justo sentido das proporções teria de ser mantido ao tratá-los. O único ponto digno de menção nesse caso era o curioso raciocínio analítico, partindo dos efeitos para as causas, através do qual o consegui resolver.
Desagradou-me esta crítica a um trabalho que fora especialmente concebido para lhe agradar. Confesso que também me irritava aquele egotismo que parecia exigir que cada linha do meu panfleto fosse dedicada aos seus próprios feitos.