Coração, Cabeça e Estômago - Cap. 6: CAPÍTULO II - PÁGINAS SÉRIAS DA MINHA VIDA Pág. 109 / 156

E continuou com rancorosa satisfação:

- De Mariana só lhe direi que ainda há quinze dias a vi com o seu ar virginal voltar-se à brasileira, que estava ao pé de mim na missa dos Clérigos, e murmurar ao meu respeito palavras que eu não pude compreender. Esta criada, que estava ao pé delas, ouviu-as: “Aquela Margarida Carvalhosa tem modos tão desenvoltos e impróprios de menina solteira!” Ora isto dito por quem oito dias antes, vindo de Guimarães, aceitara uma catástrofe tão imprópria de menina solteira, não me parece crítica muito frisante aos meus costumes. (Eu ri-me por dentro, quando ela disse “meus costumes”... )

Enquanto ao Dr. Anselmo Sanches - continuou D. Margarida, cortando as palavras com frouxos de riso -, esse deixo eu à perspicácia do Sr. Silvestre avaliá-lo... Retire-se, Josefa, que vem aí a mamã.

***

A polícia correccional

Escrevi um artigo contra Anselmo Sanches, pensando que assim vingava o género humano. Saiu o artigo na secção dos comunicados: o proprietário do jornal declinou a responsabilidade moral e legal da ofensa ao doutor. Rompeu-me assim das entranhas o ódio que as queimava:

Sr. Redator:

Há casos em que o silêncio é um crime! À vista de infâmias que sobre-excedem e transbordam a paciência humana, não há aí peito de ferro que se contenha!

Nam quis iniquae

Tam patiens urbis, tam ferreus, ut teneat se...?

Aqui é o caso de dizer como o cantor de Camões:

Ergo-me a delatar tamanho crime

E eterna a voz me gelará nos lábios.

Vinde a mim, hipócritas!

Vinde ao sevo do escândalo, celerados que andais nas encruzilhadas assalteando a honra dos infelizes descautelosos! Aqui tendes charco para vos rebalsardes, cerbos!

Aqui está um dos vossos, que apunhalou a alma de um marido, crucificou uma esposa ao madeiro de eterno opróbrio e sovou aos pés uma coroa virginal.





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