- Acredite você uma coisa, Craft - terminou ele por dizer, cedendo ao Taveira que o puxava para a mesa - isto de consciência é uma questão de educação. Adquire-se como as boas maneiras; sofrer em silêncio por ter traído um amigo, aprende-se exactamente como se aprende a não meter os dedos no nariz. Questão de educação... No resto da gente é apenas medo da cadeia, ou da bengala... Ah! vocês querem levar outra sova ao dominó como a de sábado passado? Perfeitamente, sou todo vosso...
Carlos, que estivera passando de novo os olhos pelo artigo do Ega, aproximou-se também da mesa. E estavam sentados, remexiam as pedras - quando à porta da sala apareceu o conde de Steinbroken, de casaca e crachá, grã-cruz sobre o colete branco, louro como uma espiga, esticado e resplandecente. Tinha jantado no Paço, e vinha acabar no Ramalhete a sua soirée, em família...
Então o marquês que o não via desde o famoso ataque de intestinos, abandonou o dominó, correu a abraçá-lo ruidosamente – e sem o deixar sequer sentar, nem estender a mão aos outros, implorou-lhe logo uma das suas belas canções finlandesas, uma só, daquelas que lhe faziam tão bem à alma!...
- Só a Balada, Steinbroken... Eu também não me posso demorar, que tenho aqui a partida à espera. Só a Balada!... Vá, salta lá para dentro para o piano, Cruges...
O diplomata sorria, dizia-se cansado, tendo já feito música deliciosa no Paço com Sua Majestade. Mas nunca sabia resistir àquele modo folgazão do marquês - e lá foram para a sala do piano, de braço dado, seguidos pelo Cruges, que levara uma eternidade a desenroscar-se do canto do sofá. E daí a um momento, através dos reposteiros meio corridos, a bela voz de barítono do diplomata espalhava pelas salas, entre os suspiros do piano, a embaladora melancolia da Balada, com a sua letra traduzida em francês, que o marquês adorava, e em que se falava das névoas tristes do Norte, de lagos frios e de fadas loiras...