- Pura e simplesmente insensato! disse Cruges, desenroscando-se do canto de um sofá, para deixar cair às sílabas esta pesada opinião.
O marquês investiu com ele.
- Que entende você disso, seu maestro? O artigo é sublime! E saiba mais: é de finório!
O maestro, com preguiça de argumentar, foi-se enroscar em silêncio ao outro canto do sofá.
E então o marquês, de pé e bracejando, apelou para Carlos, e quis saber o que é que Craft em princípio entendia por senso moral.
Carlos, que dava pela sala passos impacientes, não respondeu, tomou o braço do Taveira, levou-o para o corredor.
- Diz-me uma cousa: onde viste tu o Dâmaso, com essa gente? Para que lado iam?
- Iam pelo Chiado abaixo; anteontem, às duas horas... Estou convencido que iam para Sintra. Levavam uma maleta no landau, e atrás ia uma criada num coupé com uma mala maior... Aquilo cheirava a ida a Sintra. E a mulher é divina! Que toilete, que ar, que chic!.. É uma Vénus, menino!... Como conheceria ele aquilo?...
- Em Bordéus, num paquete, não sei onde!
- Eu do que gostei foi dos ares que ele se ia dando por aquele Chiado! Cumprimento para a direita, cumprimento para a esquerda... A debruçar-se, a falar muito baixo para a mulher, com olho terno, alardeando conquista...
- Que besta! exclamou Carlos, batendo com o pé no tapete.
- Chama-lhe besta, disse o Taveira. Vem a Lisboa, por acaso, uma mulher civilizada e decente, e é ele que a conhece, e é ele que vai com ela para Sintra! Chama-lhe besta!... Anda daí, vamos à partidinha de dominó.
Taveira ultimamente introduzira o dominó no Ramalhete - e havia agora ali, às vezes, partidas ardentes, sobretudo quando aparecia o marquês. Porque a paixão do Taveira era bater o marquês.
Mas foi necessário que o marquês acabasse de bracejar, de desenrolar o arrazoado com que estava acabrunhando o Craft - que do fundo da poltrona, de cachimbo na mão e com um ar de sono, respondia por monossílabos. Era ainda a propósito do artigo do Ega, da definição de senso moral.