Quando a campainha retiniu fortemente às dez horas, Luísa, havia momentos, sentara-se à beira do divã. Mal teve força de dizer a Basílio:
- Há de ser a Juliana, tinha ido fora...
Basílio cofiou o bigode, deu duas voltas na sala, foi acender um charuto. Para quebrar o silêncio sentou-se ao piano, tocou alguns compassos ao acaso, e, erguendo um pouco a voz, começou a cantarolar a ária do terceiro ato do Fausto.
- Al pallido chiarore Dei ostri d'oro...
Luísa, através das últimas vibrações dos seus nervos, ia entrando na realidade; os seus joelhos tremiam. E então, ouvindo aquela melodia, uma recordação foi-se formando no seu espírito, ainda estremunhado: era uma noite, havia anos, em São Carlos, num camarote com Jorge; uma luz elétrica dava ao jardim, no palco, um tom lívido de luar legendário; e numa atitude extática e suspirante o tenor invocava as estrelas; Jorge tinha-se voltado, dissera-lhe: "Que lindo!" E o seu olhar devorava-a. Era no segundo mês do seu casamento. Ela estava com um vestido azul-escuro. E à volta, na carruagem, Jorge, passando-lhe a mão pela cinta, repetia:
- Al pallido chiarore Dei astri d'oro...
E apertava-a contra si...
Ficara imóvel à beira do divã, quase a escorregar, os braços frouxos, o olhar fixo, a face envelhecida, o cabelo desmanchado. Basílio então veio sentar-se devagarinho junto dela. Em que estava a pensar?
- Nada.
Ele passou-lhe o braço pela cinta, começou a dizer que havia de procurar uma casinha para se verem melhor, estarem mais à vontade; não era mesmo prudente ali em casa dela...
E falando, voltava a cada momento o rosto, soprava para o lado o fumo do charuto.
- Não te parece que vir eu aqui, todos os dias, pode ser reparado?
Luísa ergueu-se bruscamente; lembrara-lhe Sebastião!.