Os Maias - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 113 / 630

Os seus companheiros constantes, agora, eram um Dâmaso Salcede, amigo do Cohen, e um primo da Rachel Cohen, mocinho imberbe, de olho esperto e duro, já com ares de emprestar a trinta por cento.

Entre os amigos, no Ramalhete, sobretudo na frisa, discutia-se às vezes Rachel, e as opiniões discordavam. Taveira achava-a «deliciosa!» - e dizia-o rilhando o dente: ao marquês não deixava de parecer apetitosa, para uma vez, aquela carnezinha faisandée de mulher de trinta anos: Cruges chamava-lhe uma « lambisgóia relambória». Nos jornais, na secção do High-life, ela era «uma das nossas primeiras elegantes»: e toda a Lisboa a conhecia, e a sua luneta de ouro presa por um fio de ouro, e a sua caleche azul com cavalos

pretos. Era alta, muito pálida, sobre tudo às luzes, delicada de saúde, com um quebranto nos olhos pisados, uma infinita languidez em toda a sua pessoa, um ar de romance e de lírio meio murcho: a sua maior beleza estava nos cabelos, magnificamente negros,

ondeados, muito pesados, rebeldes aos ganchos, e que ela deixava habilmente cair numa massa meia solta sobre as costas, como num desalinho de nudez. Dizia-se que tinha literatura, e fazia frases. O seu sorriso lasso, pálido, constante, dava-lhe um ar de

insignificância. O pobre Ega adorava-a.

Conhecera-a na Foz, na Assembleia; nessa noite, cervejando com os rapazes, ainda lhe chamou camélia melada; dias depois já adulava o marido; e agora esse demagogo, que queria o massacre em massa das classes médias, soluçava muita vez por causa dela, horas inteiras, caído para cima da cama.

Em Lisboa, entre o Grémio o a Casa Havanesa, já se começava a falar «do arranjinho do Ega». Ele todavia procurava pôr a sua felicidade ao abrigo de todas as suspeitas humanas. Havia nas suas complicadas precauções tanta sinceridade como prazer romântico do mistério: e era nos sítios mais desajeitados, fora de portas, para os lados do Matadouro, que ia furtivamente encontrar a criada que lhe trazia as cartas dela...





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