Carlos foi buscar um livro ao gabinete de estudo, entrou no quarto, estendeu-se, cansado, numa poltrona. à luz opalina dos globos, o leito entreaberto mostrava, sob a seda dos cortinados, um luxo efeminado de bretanhas, bordados e rendas.
- Que há hoje no Jornal da Noite? perguntou ele bocejando, em quanto Baptista o descalçava.
- Eu li-o todo, meu senhor, e não me pareceu que houvesse coisa alguma. Em França continua sossego... Mas a gente nunca pode saber, porque estes jornais portugueses imprimem sempre os nomes estrangeiros errados.
- São umas bestas. O Sr. Ega hoje estava furioso com eles...
Depois, em quanto Baptista preparava com esmero um grog quente, Carlos já deitado, aconchegado, abriu preguiçosamente o livro, voltou duas folhas, fechou-o, tomou uma cigarete, e ficou fumando com as pálpebras cerradas, numa imensa beatitude. Através das cortinas pesadas sentia-se o sudoeste que batia o arvoredo, e os aguaceiros alagando os vidros.
- Tu conheces os Srs. condes de Gouvarinho, Tista?
- Conheço o Pimenta, meu senhor, que é criado de quarto do Sr. conde... Criado de quarto e serve a mesa.
- E que diz então esse Tormenta? perguntou Carlos, numa voz indolente, depois de um silêncio.
- Pimenta, meu senhor! O Manuel é Pimenta. O Sr. Gouvarinho chama-lhe Romão, por que estava acostumado ao outro criado que era Romão. E já isto não é bonito, porque cada um tem o seu nome. O Manuel é Pimenta. O Pimenta não está contente...
E Baptista, depois de colocar junto da cabeceira a salva com o grog, o açucareiro, as cigaretes, transmitiu as revelações do Pimenta.